Eu me chamo Antonio

segunda-feira, 13 de abril de 2015

A Pedagogia da Permissividade


Já faz algum tempo que busco respostas que possam explicar a degradação do ensino público nesse país. Foi num dia como outro qualquer que chegou as minhas mãos, um texto que  é parte de um livro sobre a formação do professor e que se não consegue sozinho explicar totalmente essa complexa questão, pelo menos esclarece em parte o problema e abre espaço para os comentários e esclarecimentos de outros. O que está descrito, funciona como uma luz no fim do túnel na elucidação de fatos para os quais, pelo menos eu, vivia na obscuridade. Contudo, é importante aqui lembrar que reconheça e saiba que ao ver a luz no fim do túnel,  devemos observar atentamente se não é  o trem, como já alertou um poeta. 

A partir de uma leitura relativamente curta, foi possível compreender que por volta do início da década de 1970 e aliado a outros fatos históricos de natureza política e teorias de aprendizagem, surgiu na Inglaterra  uma escola de proposta inovadora a qual proclamou que ninguém precisa ser doutor para ser feliz e que recebia os alunos rejeitados pelas escolas convencionais. Até aí tudo bem. Em "Summerhill", uma escola inglesa  idealizada por um tal de Neil, os estudantes decidiam se queriam, o quê, como e quando estudar. Nela, os professores atuam muito mais como psicólogos clínicos do que como educadores propriamente ditos.  

As evidências levam a supôr que naquela época a discussão política era sorrateiramente dissimulada e a qualidade do ensino era apresentada como a disposição do professor em funcionar como um psicólogo, sempre disposto a entender os motivos dos seus alunos e a inventar métodos que motivassem suas turmas. Aquela nova maneira de educar, naturalmente encantava jovens professores que com razão rejeitavam a opressão e o autoritarismo das escolas e das universidades nas quais haviam  sido instruídos ao longo do tempo, especialmente durante os anos de chumbo no Brasil. Assim, a tese da insensibilidade e do desamparo afetivo do estudante caía como uma luva no contexto histórico vivenciado naquele momento e servia como abre alas nas lutas do movimento estudantil. 

Naquele tempo, enquanto o movimento estudantil reivindicava justamente a participação dos estudantes  na administração e política  da educação e da sociedade, aqueles jovens e novos  professores ambicionavam por alunos responsáveis e livres capazes de expor suas ideias e traduzir seus pensamentos através de argumentos lógicos e racionais. Foi seguindo esse modelo que o interesse, a capacidade, a opinião e a preferência do aluno tornou-se a bola da vez das discussões pedagógicas. No entanto, essas discussões pedagógicas eram inerentemente superficiais, uma vez que, professores que tinham trezentos ou até quatrocentos alunos e ministravam mais de trinta horas de aulas semanais, não tinham mesmo muito tempo disponível para se dedicar a uma análise profunda sobre o assunto ou a coisa  nenhuma. Por outro lado, aqueles professores que defendiam um convívio democrático entre professores e alunos, não percebiam o que estava implícito nas entrelinhas daquela ideologia promovida  por universidades  amorais ansiosas em se libertar dos seus males seculares. 

 

Desse jeito, jovens entusiasmados professores foram convencidos a limitar seu conteúdo a uma simples exposição dos assuntos e deixar os seus alunos livres para criar e organizar suas próprias ideias, fazendo de conta ou mesmo ignorando que pensamentos e ideias são a prova de balas e não nascem a partir do vago, do vazio e do nada.  De forma semelhante, foram também persuadidos que a liberdade dos alunos é tão frágil que não pode se submeter a opinião de um professor. Os inexperientes mestres nem desconfiaram que a pedagogia que promovia as avaliações baseadas em testes de múltipla escolha nas escolas e vestibulares do país, correspondia a uma prática que atendia a necessidade de avaliar cada vez mais e mais alunos em salas de aulas dia após dia mais lotadas, colocando na berlinda a complexidade técnica e psicológica da avaliação. Nessa pedagogia, o objetivo se baseia em descobrir a alternativa correta entre cinco alternativas propostas, tornando "sábio" aquele que é capaz de reduzi-las a apenas duas alternativas. Portanto, conclui-se que o bom professor seria sem dúvida aquele que ensina o truque de mágica capaz de decifrar o enigma de forma inócua para quem busca acertar.


Toda essa simplificação pôs o método no centro das investigações e o reduziu ao filho bastardo do himeneu entre as pedagogias permissivas que desmoralizam o aluno na medida em que desconsideram a sua individualidade e as avaliações de múltiplas escolhas que engessam o professor. Essa má interpretação da democracia do ensino discriminam o aluno como individuo em razão da disseminação da piedade do professor para com o aluno e da auto-piedade por parte do próprio aluno, além disso, trazem consigo a diminuição das exigências propostas pelas pedagogias permissivas que coniventes, pactuam com as dificuldades que o aluno aprendeu a usar e alegar na intenção de conseguir seus objetivos com pouco esforço e nenhum trabalho. O desprezo pela disciplina, o plágio, as pressões para adiar provas, para recuperar notas com trabalhos em grupo, os pedidos para fazer avaliações com consulta, para que o professor mude a nota, mude o método, mude o professor, decorrem da diluição do indivíduo dentro do grupo como idealizado pelas pedagogias da permissividade, onde tudo é permitido e nada é reprovável, numa ausência completa dos valores e virtudes e a imposição da exaltação monopolizante das competências e habilidades, obviamente com a intenção de formar idiotas úteis para a competição, para a guerra e para um universo de um trabalho repetitivo e limitado, de produção e de consumo. O sistema mercantil fez do trabalho o seu principal valor, pois é através dele que se consegue dinheiro para consumir e nesse, o papel do trabalhador se confunde com o da máquina, o que traduz o trabalho no que a etimologia da palavra já estabelece: um antigo instrumento de tortura.

A destruição dos valores individuais inabilitou e desclassificou o aluno,  pois na ausência de um líder comprometido com a construção de conhecimento ele é estimulado a aprender nessa inusitada escola que na sua tentativa de ser diferente e inovadora continua chata, antiquada e agora violenta. O professor que se iguala ao estudante, ao substituir o conhecimento que deveria processar junto ao seu aluno por uma genérica compreensão, está demonstrando que o julga incapaz de aprender e está colaborando na destruição de sua auto-estima. Há estudos que apontam que existe uma relação entre auto-estima e o rendimento escolar, de maneira que os alunos que apresentam um alto nível de auto-estima obtêm melhores resultados de aprendizagem. A forma como o professor ensina e sua maneira de se relacionar com os alunos, sua postura como pessoa e como profissional se refletem nas reações e comportamentos dos alunos, marcando-os com um aprendizado mais significativo do que os próprios conteúdos trabalhados na disciplina.  


Uma sala de aula sem professor é uma orquestra sem  maestro. Você já viu uma orquestra sem maestro? Conhece alguma reivindicação  de músicos em prol da abolição do maestro diante da orquestra?. É essa escola sem professores e sem aprendentes que abre o caminho para domínio da televisão, o qual propõe a assimilação passiva e determina o que é interessante para todos, o que devemos saber, aprender  e entender como verdade, aniquilando quaisquer perspectiva de despertar a curiosidade pela pesquisa e a descoberta do mundo e da realidade por conta própria.



Todo esse abandono gerou professores sem identidade, sem um paradigma a ser observado ou seguido e tornou um martírio o trabalho em sala de aula. Somente a experiência do professor pode lhe dar condições de se afastar desse opróbrio, dessa ignomínia, no entanto, desafios e atitudes assim podem representar um grave risco e resultar no seu afastamento de um sistema desumano que se institucionalizou e que certamente se originou e alicerçou a partir de premissas estabelecidas pelos famigerados e míticos métodos construtivista e sócio-interacionista. Na verdade, a educação sempre esteve atrelada a modelos de organização inadequados, privando os professores de tomar decisões em relação aos conteúdos e formas de agir, acarretando a supervalorização do trabalho dos gestores e supervisores escolares e a redução do fazer didático, provocando uma separação entre o pensar e o agir da atividade docente que fica restrita a aplicação de normas estabelecidas em documento oficiais.  Por isso, a escola se mostra inoperante, defasada, incapaz de acompanhar as novas exigências da sociedade. O professor é o elemento chave para qualquer mudança, pois só se estiver convencido da necessidade de mudar é que as reformas acontecerão. A natureza do trabalho educativo envolve diretamente o professor e o aluno e todas as ações são direcionadas a uma relação de apoio e confiança, assim qualquer mudança não pode se dá a partir decisões externas a essa realidade.

No julgamento que se faz atualmente a qualidade do ensino está atrelada à competência do professor.  Hoje, o professor necessita agir e pensar de outra maneira porque transmitir conhecimentos não é mais o seu papel.  Essa nova pedagogia pega o professor despreparado, mal informado e sem condições de solucionar os problemas na sua sala de aula.  O professor é cobrado de diversas formas pela família e pela sociedade que os responsabilizam por todos os males e juntem-se a isso, os baixos salários e o desprestígio social da profissão.  Por outro lado, as reformas curriculares pouco têm a ver com a rotina do trabalho docente o que as torna nada mais do que letra morta. Nesse sentido, qualquer proposta de formação docente deve ser de investigação e de busca de novos caminhos.

Essa ebulição de acontecimentos e retóricas internacionais nos chega associada a propaganda e a política pública da escola em tempo integral, onde o Estado tem todo o tempo para educar e formar as crianças, semeando nas suas mentes embrionárias as ideias e ideais de seus interesses, colocando a família em um lugar secundário na educação de sua prole, e com sucesso, pois a família se eximiu da tarefa de educar e entende que  a tarefa de educar é dever do Estado. Naturalmente tal ideia está baseada na luta do movimento feminista pela mulher independente, "bem sucedida", dona do seu  nariz e do seu destino, incapaz de se realizar e ser feliz no ambiente lúgubre de tortura e opressão, da masmorra que representa o seu  lar e sua família. Como se ainda tudo isso não fosse o suficiente, o discurso na escola também muda, infesta e impregna na cabeça dos professores a balela que deve ser repetida para a família: "a escola não educa, apenas informa, quem educa é a família". Por fim, a família não se considera capaz ou no dever de educar, ao mesmo tempo, tão pouco o Estado representado na escola educa, apenas informa. Afinal de contas, a quem cabe a tarefa de educar? Deite-se eternamente em berço esplêndido e durma-se tranquilamente com essa merda toda ao seu redor!  




Brasil, pátria educadora.






Referências

GUEDES, P. C. A formação do professor de português: que língua vamos ensinar. São Paulo:Parábola. 2006. 104 p.


RAMOS, I. A. V. Didática. In: RIBEIRO, A. L. et al. Cadernos CB Virtual. João Pessoa: Ed. Universitária. 2010. 427 p. 

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