Eu me chamo Antonio

quarta-feira, 8 de julho de 2015

A Festa da Excelsa Virgem do Carmo 2015

Foi somente em 2012 que tomei conhecimento da existência da Festa em homenagem a Excelsa Virgem do Carmo, comemorada todos os anos, na igreja dedicada à Virgem em João Pessoa, capital da Paraíba, sempre no início do mês de julho e que consiste em um novenário cantado e orado em latim. É essa tradição que se mantém com a mesma beleza nos mais de 300 anos de permanência da Ordem dos Carmelitas na Paraíba que compartilho hoje com o mundo. Nesse ano, o novenário acontece de 06 a 16 de julho de 2015. Infelizmente, os vídeos com os mais belos momentos do novenário são muito grandes para serem postados aqui ou no "You Tube". Apresento então imagens do conjunto arquitetônico formado pela  Igreja do Carmo e pela Capela de Santa Teresa D'Ávila junto com um pequeno vídeo com a procissão de entrada no início do novenário. 

A palavra “Carmelo” deriva do Hebraico e significa “vinha do Senhor”. Conta-se que o profeta Elias viu a Virgem Maria indo para o Monte Carmelo na Palestina, em forma de nuvem que saía da terra. No ano 93, os monges construíram naquele monte uma capela em homenagem à Virgem. Expulsos no século XIII fundaram vários mosteiros pelo Ocidente, divulgando a devoção a Nossa Senhora do Carmo. Sabe-se também que um frade Carmelita chamado Simão Stock teve uma visão da Virgem Maria cercada de anjos, tendo nas mãos um escapulário da Ordem e ela dizia: “Eis o privilégio que dou a ti e a todos os filhos do Carmelo: todo o que for revestido deste hábito será salvo”. Vem daí a devoção do escapulário de Nossa Senhora do Carmo.

Os missionários Jesuítas chegaram a Capitania da Parahyba em 1588, seguidos pelos Franciscanos, Beneditinos e Carmelitas com o objetivo de evangelizar e catequizar os índios. Por desavenças com os Franciscanos sobre os métodos de educação e conflitos de interesses com a Coroa Portuguesa, os Jesuítas foram expulsos da capitania, enquanto os Franciscanos fundaram o seu convento em 1589. Os Beneditinos, por sua vez, iniciaram a construção de seu mosteiro em 1596, mas só começaram a construção de sua igreja na capitania no século XVIII, em 1721.

Em 1580 quatro padres carmelitas acompanharam a esquadra do capitão Frutuoso Barbosa, primeiro governador da Capitania Real da Parahyba, com o objetivo de fundar ali uma colônia, contudo, a tentativa de colonização fracassou por causa de uma tormenta que açoitou e dispersou as naus. O capitão retornou para Portugal, mas os Carmelitas ficaram em Olinda, no estado vizinho de Pernambuco, só vindo para a Capitania Real da Parahyba oito anos mais tarde, em 1588.  Naquele ano de 1580, por causa da morte do cardeal Dom Henrique que sucedeu o Rei Luso Dom Sebastião, morto em batalha no norte da África em 1578 sem deixar nenhum descendente direto, Felipe II, Rei da Espanha, reivindicou a coroa junto a oponentes como Dona Catarina, a duquesa de Bragança. Fracassadas as negociações diplomáticas, o Rei de Espanha invadiu Portugal com suas tropas militares tornando-se Rei de duas coroas. Portugal foi então anexado a Espanha e assim permaneceu durante 60 anos.

Na antiga Filipéia de Nossa Senhora das Neves, hoje João Pessoa, os Carmelitas construíram um convento, a Igreja de Nossa Senhora do Carmo e a capela de Santa Teresa D’Ávila, formando o Conjunto Carmelita em estilo barroco-rococó. No atual município de Lucena, no litoral norte da Paraíba, construíram ainda a Igreja de Nossa Senhora da Guia, raro exemplar do barroco tropical com grandiosos entalhes em pedra calcária retratando a fauna e flora brasileira e onde se pode ver singulares anjos deformados, fundaram ali também um hospital religioso. Parte da história dos Carmelitas na capitania da Parahyba se perdeu durante a invasão holandesa (1634 – 1654), uma vez que muitos documentos foram enterrados pelos religiosos e nunca mais foram encontrados ou foram recuperados em péssimo estado de conservação, impossibilitando a leitura.

Pia para água benta em forma de concha, esculpida em pedra calcária no estilo rococó.

Paredes laterais ornamentadas com azulejos portugueses que contam a história da Virgem do Carmo.

Um dos quatro púlpitos laterais na Igreja de N. S. do Carmo.

Altar Mor da Igreja.

Imagem de N. S. do Carmo no Altar Mor

Detalhe do Altar Mor com imagem de Cristo.

                        
Imagens dos profetas Elias e Eliseu no Altar Mor.


Pintura na nave do pórtico de acesso à entrada principal do templo. 

Coro e óculo da igreja.

Belo conjunto de portais em arco dão acesso ao claustro do antigo convento carmelita, atual Palácio do bispo.

Lápides no corredor entre o templo e o claustro do convento.

 


Altar Mor da capela de Santa Teresa D'Ávila.

Cúpula do Altar Mor da Capela de Santa Teresa D´Ávila.


Detalhes do Altar Mor da Capela de Santa Teresa D'Ávila.

 


 Altares laterais da Capela de Santa Teresa D'Ávila.

Coro e óculo da capela.


Pintura da nave da Capela de Santa Teresa D'Ávila.








              

sábado, 4 de julho de 2015

"Eu, 100 anos depois".




Vandalismo

Para ele, a vida não valia à pena. A prisão ao corpo e a vida material o atemorizava, assustava e entristecia. Não passamos de um corpo decadente que lentamente apodrece em direção ao nada e à morte. A vida só é aceitável no plano espiritual. Do Romantismo herdou a obsessão pela morte e enquanto os parnasianos se fantasiavam com os clássicos, desmascarou a realidade no Brasil e acabou o carnaval como sempre acontece, numa triste, cinzenta e lúgubre quarta-feira. Não foi acolhido por nada e por ninguém, permaneceu solitário. Para o professor de literatura João Trindade, Augusto é o poeta modernista que o grupo de egocêntricos intelectuais paulistas organizadores da Semana de Arte Moderna, não quis reconhecer. O poeta Olavo Bilac nem sequer o conhecia. Depois de apresentado a um poema de Augusto por ocasião da sua morte, Olavo afirmou: “Não se perdeu muita coisa na literatura brasileira”. Infortunadamente, o urubu pousou na sua sorte, pois enquanto hoje os livros de Olavo Bilac são muito pouco lidos e conhecidos, o “Eu” conta com mais de quarenta edições e Augusto continua a ser um dos mais lidos e populares poetas brasileiros.

Augusto dos Anjos nasceu no engenho Pau D’Arco, em Sapé, na Paraíba, Brasil, no dia 20 de abril de 1884. Foi alfabetizado pelo pai e estudou no Lyceu paraibano. Ainda muito jovem, contrariando a vontade da família, nutriu uma paixão por uma serva da casa, que se aprofundou na forma de caso amoroso. Engravidou a humilde jovem que por conta disso, foi surrada até a morte a mando dos genitores dele. Em 1907 tornou-se bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Recife. Mais tarde, em 1910, casou-se com Éster Fialho. Seu primeiro filho nasceu morto com 7 meses incompletos. Depois, teve com ela uma filha chamada Glória.

 
A árvore da serra

Ricordanza della mia gioventú

O maior de todos os paraibanos saiu de sua terra, expulso e impossibilitado de lá sobreviver e para lá nunca mais voltou. Em 1908, sendo ele professor do Lyceu Paraibano, embora professor substituto e não efetivo, gostaria de licenciar-se, mas continuando a receber os seus provérbios, para poder ir até o Rio de Janeiro lançar o seu primeiro livro intitulado “EU”. O poeta tinha consciência que o seu livro teria melhor projeção se lançado no sudeste do Brasil, região que concentrava a elite intelectual da época. Procurou o então Governador do Estado, João Machado, que negou o seu pedido. O fato culminou com impropérios de sua parte para com o governador, a quem já havia defendido em seus artigos e discursos, gerando uma intriga. João Machado, governador da Paraíba na época, era daquelas pessoas que seguem rigorosamente a legislação, que por sua vez, vetava a concessão daquilo que o poeta o havia pedido. Concordava, no entanto, que o poeta e professor se afastasse, contudo sem receber mais seus vencimentos. Diante disso, viajou ao Rio de Janeiro com o dinheiro que lhe foi emprestado por seu irmão. Dinheiro esse que jamais conseguiria ressarcir ao irmão, uma vez que por ocasião do lançamento do seu livro as vendas foram muito fracas. Somente a partir de 1929, com a quebra da bolsa de Nova Iorque e a crise financeira internacional, em sua terceira edição, o “Eu” tornou-se um “best-seller”, vendendo algo em torno de mil cópias em apenas quinze dias. O “Eu” tornou-se leitura obrigatória para os estudantes de medicina da faculdade de medicina do Rio de Janeiro. 

Depois de dois anos de peregrinação e fome no Rio de Janeiro, aonde chegou a morar em doze lugares diferentes, Augusto chegou a Leopoldina, no estado de Minas Gerais, no dia 22 de junho de 1914. Lá, ministrava aulas particulares de português, inglês, francês, grego e latim. Nesse ano então, o leopoldinense Dr. José Monteiro Ribeiro Junqueira, conseguiu para ele o cargo de diretor do grupo escolar. O “ginásio” era um colégio particular que atendia aos filhos dos barões do café e o ensino era preparado pela escola Pedro II do Rio de Janeiro. Leopoldina desde aquele tempo, já era uma cidade voltada para o saber e Augusto afirmava que lá teria encontrado o seu “nirvana”.  Tragicamente, depois de comparecer a um enterro debaixo de muita chuva, Augusto chegou a sua casa encharcado. No dia seguinte, apresentou febre alta e tremores, sendo diagnosticado com pneumonia. Num mundo ainda sem antibióticos, morreu doze dias depois, em 12 de novembro de 1914, com apenas 30 anos de idade.

Ironicamente, a Paraíba considerou-se roubada e dizia-se que os leopoldinenses haviam roubado o poeta dos paraibanos. A Paraíba desejava os ossos de Augusto, mas os familiares do poeta lavraram um documento em cartório, impedindo o translado dos restos mortais do poeta para a terra que o rejeitou no passado. Para cumprir-se o desejo do poeta que desejava ser sepultado à sombra de um pé de tamarindo, uma muda da planta foi levada da Paraíba para Leopoldina e plantada atrás do túmulo do poeta, onde até hoje ele descansa em paz. 

Debaixo do tamarindo

Um importante questionamento foi feito pelo escritor Jairo César no programa “Impressão” especial, apresentado pelo canal da Assembléia Legislativa do estado da Paraíba, em comemoração aos 100 anos da morte de Augusto. Ele argüiu: “Como se encontraria o mausoléu de Augusto dos Anjos, caso os seus restos mortais tivessem voltado à Paraíba?”. Esse questionamento pode ser facilmente respondido por qualquer um que visite o mausoléu do grande estadista paraibano assassinado em 1930, João Pessoa, no Palácio da Redenção, localizado em frente à praça no centro da capital paraibana, que recebeu como a capital do estado o seu nome e aonde nem mesmo lâmpadas queimadas são substituídas.  Ademais, se dependesse da vontade de alguns pseudo-intelectuais e políticos paraibanos, a capital já teria inclusive mudado de nome e o Estado da Paraíba já teria uma nova bandeira. Além disso, até hoje, não há na Paraíba uma grande obra pública que homenageie Augusto dos Anjos. Poucos anos atrás, foi inaugurado na capital o Centro de Convenções do estado, nem Augusto dos Anjos, muito menos outro grande estadista paraibano, o ex-governador professor Tarcísio de Miranda Burity, mentor do projeto Costa do Sol, na área aonde o Centro de Convenções da Paraíba foi construído foram lembrados. Tão pouco o povo da Paraíba foi consultado pelo governo democrático de “esquerda caviar” a respeito de qual nome gostaria de dar ao imponente prédio que, diga-se de passagem, foi um projeto do ex-governador José Targino Maranhão, o mesmo que em 1997, depois de 67 anos, trouxe de volta para a Paraíba os restos mortais de João Pessoa, promovendo uma cerimônia para recebê-los. Assim, o Centro de Convenções na capital da Paraíba, homenageia outro muito menos lido poeta, o ex-governador da Paraíba, Ronaldo Cunha Lima, que lamentavelmente como os fatos históricos se repetem, mas dessa feita sem os alegados motivos passionais de 1930, tentou assassinar o ex-governador Tarcísio Burity durante um almoço, no sofisticado e charmoso restaurante Gulliver, na praia de Tambaú, na capital paraibana.


Imagem do túmulo de Augusto dos Anjos em Leopoldina - MG

No início do século XX, quando seu único livro foi lançado; assim como no ano 2000, quando o povo da Paraíba o elegeu como o paraibano do século e daí por diante por tempos imemoriais até o fim do mundo, como sempre foi desde o início, será o povo que resgatará Augusto do ostracismo. É pura verdade que na Paraíba, o antigo ditado: “santo de casa não faz milagres”, se aplica com todas as suas letras.

Psicologia de um vencido 

Asa de corvo



sábado, 18 de abril de 2015

A tragédia de Dido

No final do século XVII (1690), surgiu na Itália a Arcádia, uma academia literária com diversos escritores que rejeitavam as extravagâncias do Barroco e divulgavam os ideais neoclássicos no século XVIII. O Arcadismo foi um movimento cultural com o desejo de retornar ao período clássico da literatura, que suscitou o estilo de vida simples dos pastores da lendária região grega de Arcádia, do deus Pan, os quais idealizavam a natureza, se alegravam através da música, da dança e de poesias que enalteciam o amor e o prazer. Proviu ainda o ressurgimento de seres mitológicos. Em Portugal, no ano de 1756, por influência italiana, escritores fundaram a Arcádia Lusitana, academia literária que deu início ao movimento naquele país, cultivando a poesia de ambiente campestre, celebrando a vida pastoral e onde a poesia predominou como gênero literário, embora certas vezes, aproximada da prosa utilizando versos sem rima. Na Arcádia Lusitana ou Arcadismo Português destaca-se entre outros, escritores como: Cruz e Silva, Correia Garção e Reis Quita. Mais tarde, em 1790, surge outra importante academia árcade em Portugal, a Nova Arcádia, onde se destaca entre outros: Caldas Barbosa, Padre José Augustinho de Macedo e um dos maiores poetas portugueses daquele tempo, Bocage. O Arcadismo surgiu em um contexto social, no qual aconteceram profundas mudanças sociais e ideológicas guiadas pelo Iluminismo. Portanto, ele foi a expressão artística da burguesia, classe que protagonizou a luta política travada naquele momento e que chegou ao poder com a Revolução Francesa em 1789.
No poema “Cantata de Dido”, Correia Garção recria a chegada de Enéias à Cartago. Enéias foi um personagem da mitologia grego-romana, cuja história é contada no  poema “Eneida”, épico latino escrito por Vírgilio no século I a. C., ele foi um descendente do rei da  Dardânia, casado com Creúsa com a  qual tinha um filho chamado Lulo. Depois de salvo de um naufrágio e da derrota contra os gregos na guerra de Tróia, Enéias e seus troianos chegam a cidade africana de Cartago, onde são gentilmente recebidos por Dido que se apaixona por ele e tornam-se assim amantes. A cantata reconta a tragédia da rainha Elissa que diz a lenda, mandou matar o seu primeiro marido, pois cobiçava sua riqueza. Assim, Elissa fugiu com seus vassalos, levando consigo as riquezas do marido, até chegar a Costa do Mediterrâneo no norte da África onde resolveu fundar sua nova pátria. Lá, Elissa comprou terras e construiu Birsa, em torno da qual se formou outra cidade; Cartago que prosperou. Elissa foi a primeira rainha de Cartago, com a criação da cidade recebeu dos locais o codinome de Dido. O casal vivia apaixonado e Enéias se esqueceu que seu  destino que era ser o ancestral de todos os romanos, fundando em suas terras na Itália, um império. Um dia, Júpiter o observou e mandou o seu mensageiro Mércurio, lembrá-lo de sua missão e ordenar que partisse imediatamente.


                      Já no roxo oriente branqueando

                As prenhes velas da troiana frota,
                Entre as vagas azuis do mar dourado,
                Sobre as asas dos ventos se escondiam. (GARÇÃO, 2015).



                Que os olhos volve à corte em que os amantes

                A fama esquecem: “Vai, Mercúrio, invoca
                Os zéfiros, nas penas te desliza,
                Filho; e a Birsa, onde aguarda em ócio Enéias,
                Sem respeito às muralhas concedidas,
                Sobre as asas do vento este recado
                Leva-lhe. (VIRGILIO, 2005).



                “Que! lanças de Cartago os alicerces

                E lindos muros maridoso traças?
                Teu reino, ah! tudo esqueces! O alto nume,
                Cujo acenar abala o Olimpo e o mundo,
                Veloz do claro pólo a ti me envia:
                Que meditas? na Líbia com que intuito
                Gastas esse vagar? Se não te excita
                Glória tanta, nem lidas e te afanas
                Trás o louvor, no teu herdeiro atenta,
                No pululante esperançoso Iulo,
                De Itália ao cetro e a Roma destinado.”

                Quebra o seu repousar. Nem te detenho,

                Nem te refuto. Para Itália segue,
                Sim, busca impérios pelas bravas ondas. (VIRGILIO, 2005)



Mercúrio, deus do comércio

A rainha Dido, tenta frustradamente convencer Enéias a permanecer junto com ela.
           

                      A misérrima Dido, 

                Pelos paços reais vaga ululando, 
                C'os turvos olhos inda em vão procura 
                O fugitivo Eneias. 
                Só ermas ruas, só desertas praças 
                A recente Cartago lhe apresenta; 
                Com medonho fragor, na praia nua 
                Fremem de noite as solitárias ondas; 
                E nas douradas grimpas 
                Das cúpulas soberbas 
                Piam nocturnas, agoureiras aves. (GARÇÃO, 2015).




Pela dor e sofrimento ao ser abandonada por Enéias, a rainha  termina por cometer suicídio usando para esse terrível ato uma espada troiana.



                Com a convulsa mão súbito arranca

                A lâmina fulgente da bainha,
                E sobre o duro ferro penetrante

                Arroja o tenro, cristalino peito;
                Em borbotões de espuma murmurando
                O quente sangue da ferida salta:
                De roxas espadanas rociadas
                Tremem da sala as dóricas colunas. (GARÇÃO, 2015).



                Trépida e em fera empresa encarniçada,

                Vibrando olhos sanguíneos, e às trementes

                Faces de nódoas salpicada, o interno
                Claustro penetra, pálida a rainha
                Já da futura morte, e furibunda
                Sobe à fogueira, o tróico ferro despe,
                Não para tal crueza reservado. (VIRGILIO, 2005).


Brutal e mortalmente ferida, se desvairando em sangue entre desmaios e o pranto, os soluços, os gritos e gemidos dos seus súditos, a rainha lentamente agoniza.



                     Não acabava; e sobre o estoque as damas

                A vêem cair, de sangue as mãos tingidas
                E a lâmina espumando. O clamor altos
                Átrios atroa; às tontas corre a Fama
                De cabo a cabo; com soluços, gritos,
                Com femíneo ululado os tetos fremem;
                Todo o ar retumba do alarido e pranto:
                Qual, de hostil assaltada, se em ruínas
                Cartago, ou Tiro antiga ardesse em alas
                Furentes, ateadas nas dos homens,
                Nas cumieiras dos deuses. Aturdida, (VIRGILIO, 2005)



                Três vezes tenta erguer-se, 

                Três vezes desmaiada, sobre o leito 
                O corpo revolvendo, ao céu levanta 
                Os macerados olhos. 
                Despois, atenta na lustrosa malha 
                Do prófugo dardânio, 
                Estas últimas vozes repetia, 
                E os lastimosos, lúgubres acentos, 
                Pelas áureas abóbadas voando 
                Longo tempo depois gemer se ouviram: (GARÇÃO, 2015).






 A morte de Dido por Augustin Cayot (1667-1772)



Orco o deus do submundo e da morada dos mortos na mitologia romana, punidor daqueles que quebravam juramentos, prepara o sacrifício de Dido, para os espíritos sobrenaturais das divindades celestiais mitológicas. Na mitologia grega Orco corresponde a Hades, o deus que também emprestava o nome ao mundo inferior e dos mortos.


                      D'Orco aos tremendos numens 

                Sacrifícios prepara; 
                Mas viu esmorecida 
                Em torno dos turícremos altares, 
                Negra escuma ferver nas ricas taças, 
                E o derramado vinho 
                Em pélagos de sangue converter-se. 
                Frenética, delira, 
                Pálido o rosto lindo 
                A madeixa subtil desentrançada; 
                Já com trémulo pé entra sem tino 
                No ditoso aposento, 
                Onde do infido amante 
                Ouviu, enternecida, 
                Magoados suspiros, brandas queixas. 
                Ali as cruéis Parcas lhe mostraram 
                As ilíacas roupas que, pendentes 
                Do tálamo dourado, descobriam 
                O lustroso pavês, a teucra espada. (GARÇÃO, 2015).



                Finais vozes repete: “Ó doces prendas,

                Quando o queira um deus e o fado, est’alma
                Recebei, libertai-me de pesares.
                Vivi, perfiz o destinado curso:
                Grande irá minha sombra agora ao Orco. (VIRGILIO, 2005)


Por fim, a rainha africana banhada de sangue quente, se joga nas chamas flamejantes da fogueira de uma pira funerária, que mantinha em sua fortaleza real.


                     Os que encetei solenes sacrifícios

                A Jove Estígio concluir tenciono,

                Findar meus males e entregar à pira
                A imagem do infiel.” Termina; a serva
                Com senil zelo acelerava o passo. (VIRGILIO, 2005).

                Armei-te a pira eu mesma, e os deuses pátrios

                Invoquei, para assim, cruel, jazeres
                Na minha ausência? A mim e a ti mataste,
                E o povo e os padres e a cidade tua. (VIRGILIO, 2005).


E no desfecho da trama, a infeliz rainha Dido de Cartago entrega-se finalmente à morte.


                         Doces despojos

                Tão bem logrados 
                Dos olhos meus,
                Enquanto os fados,
                Enquanto Deus
                O consentiam,
                Da triste Dido
                A alma aceitai,
                Destes cuidados
                Me libertai.
                Dido infelice
                Assaz viveu;
                D’alta Cartago (GARÇÃO, 2015).

                          Finais vozes repete: “Ó doces prendas,

                Quando o queira um deus e o fado, est’alma
                Recebei, libertai-me de pesares.
                Vivi, perfiz o destinado curso:
                Grande irá minha sombra agora ao Orco. (VIRGÍLIO, 2005)


Assim, Plutão o deus dos mortos, das riquezas e responsável por tudo que se encontra debaixo da terra na mitologia romana, recebe através da morte por suicídio da rica rainha Dido, a sua lúgubre e nefasta homenagem.



                     “O tributo a Plutão mandada levo;

                Do corpo eu to desligo.” Disse, e o corta:
                Foi-se o calor e evaporou-se a vida. (VIRGÍLIO, 2005)


E enquanto soprava o vento e zarpavam os navios troianos, a mente de Enéias divagava, olhando para o fogo da fogueira, para a fumaça e fuligem das cinzas que subiam para o céu, na pira funerária onde cremava o corpo da rainha que foi sua amante.

Referências

FONTE DO SABER. Arcadismo em Portugal – Origem, História e Características. Disponível em: < http://www.fontedosaber.com/portugues/arcadismo-em-portugal.html>. Acesso em: 04 mar. 2015.

GARÇÃO, Pedro António Correia. Cantata de Dido. Disponível em: < http://www.citador.pt/poemas/cantata-de-dido-pedro-antonio-correia-garcao>. Acesso em: 05 de mar. 2015.

MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa. 35. ed. São Paulo: Cultrix, 2008. 

VIRGILIO, Publio Maronis. Eneida. Brasil: Ebooks. Jan 2005. Disponível em: < http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/eneida.html>. Acesso em: 05 mar. 2015.

WIKIPÉDIA. Dido. Disponível em:< http://pt.wikipedia.org/wiki/Dido>. Acesso em: 04 mar. 2015.

______. Enéias. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Eneias>. Acesso em: 04 mar. 2015.

______. Plutão (mitologia). Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Plut%C3%A3o_(mitologia)>. Acesso em: 05 mar. 2015.

______. Orco. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Orco>. Acesso em: 05 mar. 2015.




quinta-feira, 16 de abril de 2015

A Bahia por Gregório de Matos



Disponível em: 
<http://www.sardenbergpoesias.com.br/homenagens/gregorio_de_matos/gregorio_de_matos.htm>.


No século XVII, a Bahia aparece nostálgica na poesia satírica de Gregório de Matos, mas ao mesmo tempo o poeta critica a degradação moral e econômica da cidade. Naturalmente quando definiu sua cidade, o poeta sabia que Bahia não tem “ff”, ainda assim, ironicamente satiriza sua certeza e acredita piamente que para se definir a Bahia, basta dizer “furtar e foder”. O seu paradoxo é o da realidade histórica daquele momento, coexistindo no mesmo local duas Bahias: uma no olhar do poeta nostálgica e melancólica, outra absurda e indesejada, nessa a decadência dos engenhos de açúcar levavam a ascensão de uma burguesia de comerciantes e mercadores oportunistas espoliadores, os quais detinham o poder político e econômico, enquanto os trabalhadores honestos estavam na pobreza. Principalmente a poesia satírica de Gregório faz alusão a duas de suas maiores referências: o Brasil e Portugal. Em fins do século XVII, o sistema escravocrata não conseguia mais sustentar a economia da Metrópole e Portugal em decadência impôs ao Brasil uma série de restrições comerciais a fim de obter vantagens. Gregório de Matos nasceu em Salvador em 1636, fidalgo filho de um senhor de engenho em 1650 foi estudar na Corte, em Portugal, onde se formou em direito, retornando ao Brasil em 1683. Assim sendo tinha condições de pensar e analisar seu momento histórico sob diversas perspectivas. A partir daí, e durante uma década, escreveu poemas que zombavam, criticavam, incomodavam e até ofendiam a sociedade baiana e pouco importava se o alvo era branco ou negro, rico ou pobre, poderoso ou escravo. Distanciado da sociedade hipócrita que ele condenava, resolve viver à margem da sociedade como um poeta itinerante, percorrendo o recôncavo baiano e frequentando festas e rodas boemias. Encarnava o papel da voz e do discurso crítico sobre a mesma classe social na qual estava inserido, pois dependia da nobreza e vivia à custa de seus favores. Foram os poemas satíricos que fizeram sua glória e, em seguida, sua ruína. Por conta desses, ficou conhecido como “O Boca do Inferno e perdeu o importante cargo de tesoureiro da Sé sendo deportado para Angola em 1694, lá ajudou os portugueses durante uma revolução e ganhou o direito de retornar ao Brasil, embora fosse proibido de voltar à Bahia. Faleceu então no Recife provavelmente em 1696. Se por um lado, na sua obra satírica Gregório de Matos expõe e critica sem nenhum pudor a sociedade da sua época, por outro lado deixou também uma vasta produção de poemas sacros e líricos. O ambiente fortemente cristão do período barroco aparece nos poemas sacros, como no soneto "A Jesus Cristo Nosso Senhor", maior representante da poesia sacra de Gregório de Matos, nesse o poeta utiliza da linguagem para conseguir seu perdão e salvação não apenas entre ele e Deus, mas também entre a sociedade e si mesmo. Enfim, a ironia e a crítica social existentes nos poemas satíricos também são notadas em sua produção lírica e religiosa.

Gregório de Matos


Triste Bahia



Referências

BOSSI, A. Do Antigo Estado à máquina Mercante. Disponível em: < http://www.ead.ufpb.br/pluginfile.php/160690/mod_resource/content/1/Bosi_do%20antigo%20estado%20a%20maquina%20mercante.pdf >. Acesso em: 11 de out. 2014.


LITERATORTURA. Hora do Poema: Gregório de Matos - boca do inferno! Disponível em: < http://literatortura.com/2012/05/hora-do-poema-gregorio-de-matos-boca-do-inferno/ >.  Acesso em: 11 de out. 2014.

MÍDIA LOCATIVA. Define a Sua Cidade. Disponível em: < http://www.andrelemos.info/midialocativa/2009/06/defina-sua-cidade.html>. Acesso em: 11 de out. 2014.

VERSO E CONVERSA. Gregório de Matos define sua cidade. Disponível em: < http://versoeconversa.blogspot.com.br/2012/09/gregorio-de-matos-define-sua-cidade.html>. Acesso em: 11 out. 2014.