Eu me chamo Antonio

quarta-feira, 6 de maio de 2020

O alpha da Parahyba.

O nome “Baía da Traição” parece ter sido dado ao lugar pelos portugueses, pois para os índios Potiguaras que ali viviam, a baía sempre se chamou “Tibira Caiutuba” ou “Caeiouael de Tibera” que na linguagem deles significa “Cajuzal da Sodomia”. Fundamentos irrefutáveis levam a acreditar que as terras da Parahyba foram tocadas pela primeira vez em 1501, quando uma armada em que Américo Vespúcio viajava, ali ancorou.
Conta o famoso navegador em carta sobre essa viagem que, vindo em terra alguns da armada, tentaram sem sucesso, contatar um índio. Voltaram então aos navios ancorados, mas não antes de deixarem-lhe como presentes espelhos, facões e outras novidades com as quais, de longe perceberam, ficara maravilhado.
Na manhã seguinte, das naus se via que na praia se ajuntavam muitos nativos da terra, os quais faziam muita fumaça e. acenavam para que fossem estar com eles. Dois dos cristãos embarcados, insistiram com o capitão da armada, a licença para ir até a praia e, ver de perto que estirpe de gente era aquela, se possuíam riquezas ou especiarias. Diante disso, o capitão por aquiescência cedeu aos seus anseios, porém não sem antes ordená-los que, regressassem em não mais do que cinco dias.
Quase todos os dias, os que nos navios estavam, viam aparecer muita gente na praia, mas aqueles não pareciam mais seduzidos pelos navegantes.
Passados sete dias da vinda dos dois cristãos à praia, vieram alguns outros em busca dos primeiros e, ao seu encontro vieram muitas mulheres, contudo percebendo eles que, não conquistavam a confiança das índias, resolveram mandar-lhes um dos seus, um mancebo.
O mancebo foi de pronto cercado pelas mulheres índias que, pasmas lhe apalpavam e o admiravam com fascínio. Enquanto isso, desceu morro abaixo, uma índia que carregava na mão um grande tacape. Chegando ela e, pelas costas, aonde estava o jovem grumete, alevantou a tora e desferiu contra ele tamanha porrada que, o cristão caiu estendido por terra. Imediatamente, as outras índias, arrastavam pelos pés e, morro acima, o coitado pela praia. Enquanto isso, os homens desciam pela falésia, armados com seus arcos e flechas e, choviam tantas flechas que, no frenesi daquele rebu, ninguém nem mesmo conseguia, nos bateis varados na areia aonde estavam abrigados, lançar mãos de suas armas.
Foram disparados quatro tiros de bombacha que, embora não tenham atingido nenhum dos índios, o estrondo foi o suficiente para fazer os homens fugirem assustados, subindo o morro. No alto, já estavam as índias que, enquanto despedaçavam e assavam o mancebo numa grande fogueira, o devoravam exibindo os seus membros decepados. Já os homens nus, faziam sinais, indicando que igual destino teria sido dado aos dois primeiros cristãos que, ousaram pisar em suas terras.
Tamanha selvageria foi para aqueles navegadores uma injúria intolerável, tanta que, mais de quarenta deles desejaram à praia retornar e dizimar os nativos silvícolas. O capitão-mor, no entanto, não lhes deu o gosto desse consentimento, e ordenou que fossem içadas as âncoras.
Assim, partiram os viajantes humilhados, ofendidos, contrariados e imputando a culpa dessa vergonha ao seu capitão.

domingo, 3 de maio de 2020

Zaratrusta


Muitos enigmas acompanham Zaratrusta. Quanto aos textos sagrados do Zoroastrismo ou Masdeísmo, três quartos do Avesta estão perdidos. Apenas os gatha, considerado pelos eruditos como obra de Zaratrusta, encontram-se conservados. Os gatha são as únicas referências disponíveis sobre a vida de Zaratrusta. É possível encontrar nos gathas indicações da atividade missionária de Zaratrusta. Seus gathas inserem-se numa antiga tradição indo-europeia de poesia sagrada. A historicidade de Zaratrusta é alvo de contestação.
Com relação a contribuição de Zaratrusta na invenção ou na revalorização das concepções religiosas: Zaratrusta é tido como um reformador da religião étnica tradicional compartilhada pelo indo-iranianos 2.000 anos a. C., a religião de Zaratrusta representa apenas um aspecto da religião iraniana, isto é, do Masdeísmo que, tem como centro a adoração de “Aúra-Masda”.
Segundo a tradição Zaratrusta era zaotar, ou seja, sacerdote sacrificador e chantre. Pertencia ao clã spitama de criadores de cavalos. Seu pai chamava-se Pourusaspa. Zaratrusta foi casado e conhece-se os nomes de seus dois filhos, sendo a filha Pourucista, a caçula. Zaratrusta era extremamente pobre.
A comunidade a quem dirigiu sua mensagem era formada de pastores que tinham chefes e sacerdotes. Foi a esses sacerdotes, guardiões da religião tradicional que Zaratrusta atacou em nome de Aúra-Masda e, por isso, foi obrigado a fugir. Refugiou-se junto a Vishtaspa, chefe da tribo Fryana a quem converteu e se tornou seu protetor e amigo. Zaratrusta atacou as pessoas que sacrificavam bovinos e, tais rituais caracterizavam o culto das sociedades humanas de sua época. 

História e Mito da vida de Zaratrusta

Os textos antigos insistem na pré-existência celeste de Zaratrusta. Ele nasceu no meio da história e no centro do mundo. A substância do corpo de Zaratrusta, criada no céu, caiu com a chuva e, fez crescer as plantas que alimentavam as duas novilhas dos pais do profeta. A substância passou para o leite que, misturado ao haoma, foi bebido por seus pais e estes se uniram pela primeira vez, então Zaratrusta foi concebido.
Ao receber a glória de Zaratrusta, sua mãe foi envolvida por uma grande luz. Durante três noites, a sua casa parecia ardente e incandescente como magma vulcânico. Três dias antes de sua vinda ao mundo, a aldeia brilhou tanto que, os spitamidas a abandonaram acreditando ser um incêndio. Antes do seu nascimento, Ahraman e os dev tentaram inutilmente fazê-lo morrer. Recém-nascido Zaratrusta foi atacado pelos dev, mas expulsou-os pronunciando as palavras sagradas do Masdeísmo. Quando spitamidas retornaram, encontraram uma criança resplandecente de luz. A tradição conta que Zaratrusta veio ao mundo rindo. 

A revelação de Aúra-Masda 

Zaratrusta não se sentia escravo ou servo de Deus como os fiéis de Varuna, Javé e Alá. Zaratrusta recebe a revelação da nova religião diretamente de Aúra-Masda. Na tradição avéstica, Zaratrusta tinha a fama de entregar-se ao êxtase, em transe teve visões e, ouviu a palavra de Aúra-Masda. A experiência mística masdeísta é o resultado de uma prática ritual iluminada pela esperança escatológica.  É provável que o canto desempenhasse um papel importante no culto.
Nos gatha, Aúra-Masda ocupa o primeiro lugar, ele é bom e santo. Aúra-Masda criou o mundo através do pensamento e é o pai de diversas divindades. A unidade entre Aúra-Masda e o espírito santo fica subentendida. O bem o mal procedem de Aúra-Masda. A separação entre o bem e o mal é consequência de uma escolha feita por Aúra-Masda e repetida pelos dois espíritos gêmeos: Asha, a justiça e, Drug, o engano.
Zaratrusta imita o ato primordial do seu Senhor e escolhe a justiça, o bem. O homem é intimado a seguir o exemplo de Aúra-Masda, mas goza de liberdade de escolha. O homem é livre para escolher entre o bem e o mal e será recompensado ou punido após a morte conforme a sua conduta. Zaratrusta retoma a tradição indo-iraniana da viagem dos mortos e, esse caminho para o além, passa por uma ponte aonde ocorre a separação entre os justos e os maus.  Zaratrusta insiste na importância do julgamento, no qual cada alma será julgada de acordo com a escolha que fez na Terra, quando os justos serão admitidos no paraíso, “casa do canto”, enquanto os pecadores permanecerão para sempre hóspedes da “casa do mal”. A existência do bem e do mal é a condição prévia para a liberdade humana.
Dois princípios são característicos do Masdeísmo, a luz sobrenatural e o combate contra os demônios. O dever essencial de todo masdeísta é o combate as forças do mal. O Zoroastrismo inovou as religiões da época através das seguintes crenças: Imortalidade da alma, livre arbítrio, vinda do Messias, ressureição dos mortos, juízo final, paraíso. Rituais míticos que celebravam a cosmogonia, ou seja, a renovação do mundo, eram celebrados pelos indo-iranianos e por outros povos durante o ano novo. Zaratrusta recusa essa celebração arcaica e anuncia uma transfiguração radical e definitiva pela vontade de Aúra-Masda. Essa renovação compreende o julgamento de cada ser, a punição dos maus e a recompensa dos justos. A revelação da onipotência, da santidade e da bondade de Aúra-Masda é recebida por Zaratrusta, mas essa revelação não cria um monoteísmo.
Zaratrusta ofereceu como modelo aos seus adeptos, a escolha de Aúra-Masda e de outras divindades. A escolha do bem contra o mal, a verdadeira religião contra a religião dos daevas.  Os daevas escolheram a astúcia, o engano e, por isso, Zaratrusta pede a seus fiéis que não lhe dediquem culto e não sacrifiquem a esses os bovinos. O respeito ao boi tem um papel importante na religião masdeísta. Quanto ao termo boiadeiro aplicado a Zaratrusta, designa o homem que segue a boa religião e, não ao dever de todo masdeísta de cuidar bem do gado. Ao que parece, Zaratrusta se insurgiu contra os ritos sacrificiais cruentos e a absorção exagerada de haoma. Admite-se que Zaratrusta esteve familiarizado com as técnicas xamânicas indo-iranianas, mas o êxtase xamânico atestado nos gathas e Avesta não desempenha um papel central no Masdeísmo. 
A oposição entre Aúra-Masda e os daevas já existia na época indo-iraniana, pois na Índia védica os daevas combatiam os asuras. Na Índia, os valores religiosos desses dois grupos de deuses evoluíram num sentido contrário ao do Irã. Assim, na Índia os daevas tornaram-se os verdadeiros deuses triunfando sobre as divindades mais arcaicas, os asuras, que nos textos védicos são considerados figuras demoníacas. No Irã, os daevas foram demonizados. Sobretudo os deuses guerreiros, Indra, Saurva, Vayu tornaram-se daevas. Nenhum dos deuses asura foi demonizado e o grande asura protoindiano Varuna, tornou-se Aúra-Masda.
A mitificação de Zaratrusta prolongou-se por pelo menos 15 séculos até que, no mundo helenístico e pelos filósofos do renascimento, Zoroastro é exaltado como o mago exemplar. Os reflexos do seu mais belo mito são encontrados no Fausto de Goethe.    

A religião dos aquemênidas

Para Heródoto (485 – 425 a.C.), o mito da fundação da dinastia dos aquemênidas aconteceu por causa de dois sonhos, que os magos interpretaram como maus presságios para o trono. Astíages, rei de Medas, deu sua filha em casamento a um persa chamado Cambies e, quando ela deu à luz a um menino chamado de Ciro, Astíages ordenou que a criança fosse executada. A criança foi salva e criada pela mulher de um boiadeiro chamado Miltradate. Ciro cresceu entre pastores, mas seu comportamento de príncipe o denunciou e sua identidade foi descoberta. Simbolicamente, Ciro tornou-se filho do deus Mithra, pois seu pai adotivo chamava-se “presente do deus Mithra”. Por fim, Ciro venceu os Medas, destronou o avô e fundou uma nova dinastia, o império dos aquemênidas. O tema mítico do herói abandonado e perseguido aparece em numerosos povos e também no antigo Irã. Na Índia, Sidharta transforma-se em Buda e sua soteriologia substituiu a dos brâmanes.
Ciro II (559 - 430 a.C.) realizou uma micro cosmogonia criando um novo mundo e uma nova era. Como a cosmogonia é celebrada no ano novo, supõe-se que a fundação da dinastia estava integrada nas cerimônias. O rei iraniano era responsável pela conservação e pela regeneração do mundo. O rei combatia as forças do mal e da morte e contribuía para o triunfo da vida, da fecundidade e do bem. Zaratrusta era o guardião da renovação universal através da boa religião. Não se sabe se havia uma tensão secreta entre as duas ideologias, a real e a sacerdotal. É provável que sob o reinado dos aquemênidas, a celebração sofreu influências mesopotâmicas.
Na primeira das inscrições que Dario I (550 – 486 a.C.) mandou gravar perto de Persépolis, Aúra-Masda é exaltado como o grande deus criador e que fez Dario rei. Dario construiu Persépolis como uma capital sagrada reservada a celebração do ano novo, o Nawroz. Numa vasta extensão geográfica e a partir de certo momento histórico, a cosmogonia compreendia o combate vitorioso de um deus ou herói mítico contra um determinado monstro marinho ou dragão. Os adversários reais da nação ou império são imaginados como monstros e particularmente como dragões. Xerxes I (486 - 465 a.C.), filho de Dario, proibiu em seu império o culto aos daevas, fato que o aproximou da religião de Zaratrusta. Mais tarde, com base nas inscrições de Artaxerxes I, Mithra e Anahita aparecem ao lado de Aúra-Mastra
Uma controvérsia opõe os estudiosos a respeito do Zoroastrismo de Dario e seus sucessores. Heródoto diz que, a religião dos persas no tempo dos aquemênidas nada tem de zoroastrismo.  Contra o Zoroastrismo dos grandes reis argumenta-se que Zaratrusta não é mencionado em nenhuma inscrição. Aúra-Masda era venerado no Irã antes de Zaratrusta e o nome do deus é citado nas inscrições dos reis aquemênidas, portanto, sua posição de destaque não foi obra de Zaratrusta. Em favor do Zoroastrismo dos aquemênidas, cita-se o nome do deus Aúra-Masda glorificado nas inscrições e o fato de que no tempo de Artaxerxes, um novo calendário com divindades zoroastrianas foi instituído sem causar reações contrárias. A teologia dos aquemênidas está repleta de expressões abstratas e cheia de preocupações morais. 

Os magos

Os magos e suas relações com o Zoroastrismo também são objeto de controvérsias. Na época do império Meda, os magos parecem ter sido uma casta hereditária de sacerdotes medas, comparáveis aos levitas e aos brâmanes. Sob os aquemênidas representavam a classe sacerdotal. Heródoto informa que os magos praticavam a interpretação de sonhos, faziam profecias sacrificando cavalos brancos e durante os sacrifícios salmodiavam uma genealogia dos deuses, o que indica que eram os guardiões de uma tradição de poesia religiosa. Zaratrusta foi considerado mago por alguns autores gregos. Os magos retomaram ritos e costumes zoroastrianos sendo considerados discípulos de Zaratrusta. Se por um lado, os magos foram considerados como uma tribo aborígene de feiticeiros e necromantes responsáveis pela degradação do Zoroastrismo, também foram vistos como os verdadeiros discípulos de Zaratrusta e seus missionários no Irã ocidental. 

Os Citas

Heródoto deixou as mais preciosas informações sobre os iranianos do norte, os citas. Heródoto conta que os Citas não possuíam templos, altares ou estátuas. Sacrificavam anualmente a Ares, cavalos, carneiros e, 1% dos prisioneiros de guerra. Sacríficos humanos de uma de suas concubinas e de muitos servos, acompanhavam o sepultamento dos reis. Heródoto escreveu que com um caráter xamânico, os Citas lançavam sementes de cânhamo sobre pedras incandescentes e a fumaça os tornava tão felizes que urravam de prazer.

Masdeísmo e o culto ao Haoma

O Yasna-de-sete-capítulos, escrito em prosa como parte dos gathas, reflete o início de um processo complexo de adaptação e integração. Aparece uma tendência a ressacralização das realidades cósmicas. O fogo é identificado com o espírito santo e associado a Aúra-Masda, junto com o sol e Spenta Mainyu. Asha, mais do que a verdade, a justiça e a ordem, passa a ser uma personificação de estrutura cósmica e espiritual. Vohu Manah que inspirava Zaratrusta nos gathas é relegado a subordinação. As águas são as Ahuranis. Haoma ganha um lugar importante no culto. Yima e o rito do Haoma são exaltados no Masdeísmo junto com os sacrifícios cruentos. Se é verdade que Zaratrusta aceitava o culto ao Haoma, estigmatizando apenas os seus excessos, houve uma promoção dos valores da velha religião cósmica indo-iraniana. Os sacrifícios cruentos foram depois definitivamente suprimidos e o Haoma desapareceu como bebida embriagante, sendo substituído por uma mistura de suco de ervas, de água e de leite.

A exaltação do deus Mithra

No Mihr Yasht, o hino em honra de Mithra, declara Aúra-Masda: “Quando criei Mithra nas amplas pastagens, eu o fiz tão digno de veneração e reverência quanto eu mesmo”. Nesse prólogo, percebe-se o esforço da teoria masdeísta de confirmar a onipotência de um só deus supremo.
Mithra queixa-se a Aúra-Masda de que embora seja o protetor, não é adorado com orações. Provavelmente ele recebeu o culto, pois em seguida, o hino mostra Mithra cavalgando num carro, puxado por cavalos brancos e percorrendo a Terra durante a noite, exterminando os daevas ou perseguindo àqueles que violaram os contratos.  No final do hino, os dois deuses são reunidos e o autor usa a forma Mithra-Aúra, réplica do conhecido binômio védico Mitha-Varuna.
O hino termina assim: “através da planta barsom adoramos Mithra e Aúra, os gloriosos   senhores da verdade, livres para sempre da corrupção: adoramos as estrelas, a lua e o sol. Adoramos Mithra, o Senhor de todas as terras”. O deus exaltado no hino, não pôde ser reintegrado ao Masdeísmo sem certas transformações. Como o combate ao mal é a principal obrigação do Masdeísmo, o hino pode ser interpretado como uma conversão de Mithra e, portanto como uma vitória de Aúra-Masda. 
Mithra foi promovido no Masdeísmo a categoria de deus paladino na luta contra os daevas e os ímpios. Mithra é o deus dos contratos e ao adorá-lo o fiel promete não romper os contratos. Mithra é também o deus da guerra, violento e cruel massacra os daevas e os ímpios. Ele é igualmente o deus solar, tem mil orelhas e dez mil olhos, ou seja, é onividente e onisciente. Além disso, é o provedor universal que assegura a fertilidade dos campos e dos rebanhos. O fenômeno é comum nas religiões: uma divindade acumula prestígios múltiplos e até antagônicos, para obter a sua promoção momentânea ou permanente à categoria dos grandes deuses.
Na elevação de Mithra à categoria de deus supremo, Aúra-Masda consagra Haoma como seu sacerdote e, Haoma o adora, ou seja, oferece-lhe sacrifícios. Em seguida, Aúra-Masda prescreve o rito adequado ao culto de Mithra e ele próprio o efetua no paraíso, na “casa do canto”. Depois, Mithra volta à Terra para combater os daevas, enquanto Aúra-Masda permanece na “casa do canto”. 

Aúra-Masda e o sacrifício escatológico

Embora Zaratrusta tenha condenado alguns sacrifícios, não é certo que tenha rejeitado a todos. Os sacrifícios de animais são conhecidos no Avesta e são atestados nos governos dos aquemênidas, na época parta e sob os sassânidas.
 O processo de sincretismo entre a velha religião étnica e a mensagem de Zaratrusta pode ser percebido em outros hinos. No Yasht VIII dedicado a Tistrya, personificação da estrela sírio, o deus lamenta-se por não ter conseguido vencer o demônio Aprosa que, mantinha presas as águas ameaçando extinguir toda a criação. Então Aúra-Masda venera Tistrya, oferecendo-o um sacrifício e como resultado, esse sai vitorioso do combate contra o daeva e assegura a fertilidade da Terra. Aúra-Masda sacrifica também a Anahita e roga-lhe: “que lhe conceda este favor: que eu induza o piedoso Zaratrusta a pensar, falar e agir pela boa religião”. Além disso, Aúra-Masda fez um sacrifício a Vayu e implora-lhe: “que lhe conceda o seguinte favor: que ele possa executar as criaturas de Angra Mainyu”. Sem o auxílio prestado pelas almas pré-existentes dos homens, a humanidade e todos os animais teriam desaparecido e o mundo material estaria sob o império da mentira.
O que se sobressai do hino é sobretudo a importância do sacrifício, mas que se desenvolve principalmente nos Bramanes e se tornará cada vez mais conhecido e central no Masdeísmo. No Zoroastrismo, a intenção escatológica do sacrifício é continuamente reforçada sem que o valor cósmico seja apagado. Uma vez que o mundo era simbolicamente renovado pelo rito do ano novo, a renovação escatológica acabou situada nos limites da mesma celebração. A renovação escatológica ocorre durante a festa do ano novo, quando os mortos ressuscitarão, serão julgados e por fim imortalizados. A renovação universal e a criação original são resultado de um sacrifício. As tradições conservadas nos textos pálavis mencionam uma série de sacrifícios através dos quais Aúra-Masda criou o cosmos, o homem primordial e Zaratrusta.
Zaratrusta fez a proclamação de uma guerra santa contra as forças do mal. Ele colaborou na obra de saneamento universal de Aúra-Masda e seus arcanjos. Valorizou a função cosmogônica do sacrifício, pois a renovação escatológica não só salva a humanidade, mas ainda a recria, ressuscitando os corpos. Isso implica uma nova criação, indestrutível, incorruptível. Tal como é anunciado por Yasht: “O mundo material não se extinguirá mas...a mentira perecerá”.
Como entre povos indo-europeus, o fogo ritual desempenha o papel mais importante. Para todo rei masdeísta, o ato religioso consistia em fundar um fogo, isto é, erguer um templo, dotá-lo de rendimentos e nomear sacerdotes para ele. 

A viagem das almas depois da morte 

O mais arcaico costume era específico às estepes da Ásia central, aonde se praticava a exposição dos corpos num local determinado, as “torres de silêncio”, para servirem de alimento para os abutres e cães. Já o rito no Irã ocidental, especialmente a incineração dos corpos e o sepultamento das cinzas numa urna, difundiu-se com o Zoroastrismo por outras regiões. Os iranianos do Oriente praticavam nos funerais as lamentações, autoflagelação, chegando até mesmo ao suicídio, mas o Zoroastrismo proíbe veementemente os choros e as lamentações afirmando que eram invenção de Angra Mainyu.
A travessia de uma ponte, a ascenção celeste, o julgamento e o encontro com o seu próprio são as experiências da alma após a morte. Segundo a tradição, a ponte se alarga sob os pés do justo e assume a forma de uma lâmina quando um ímpio tenta cruzá-la. 


Torre de silêncio em ruínas.


A ressurreição do corpo

Enquanto na Índia Yima, inspirava sobretudo a mitologia do primeiro morto, no Irã, Yima tornou-se o primeiro rei e o modelo de soberano perfeito. A tradição iraniana associa o paraíso original com o reinado de Yima. Durante um milênio não havia morte nem sofrimento e os homens perpetuavam a juventude. Quando Yima começou a proferir mentiras seu xvarenah o abandonou e, por fim, o homem perdeu a imortalidade.
Um outro mito escatológico sobre Yima foi introduzido a teologia zoroastriana. Aúra-Masda adverte a Yima que um inverno de três anos acabaria com toda a vida na Terra e, pede-lhe que construa um recinto dentro do qual salvaria os melhores dentre os homens e os germes de todos os animais. Yima era o rei fabuloso da idade de ouro e, no recinto salvaria os germes de uma humanidade futura, pronta a conhecer depois da catástrofe escatológica, a existência paradisíaca dos primeiros tempos. O recinto foi imaginado como uma morada subterrânea, pois não havia sol, nem lua nem estrelas.
Outra ideia escatológica é a da ressureição dos corpos e está relacionada a chegada “daquele que vive”, ou seja, do Saoshyant anunciado por Zaratrusta. A ressureição é a renovação final que implica no julgamento universal. O mundo renovado de um modo radical e completo representa uma nova criação que já não será tornada impura pelos demônios. A ressureição dos mortos, na verdade, a recriação dos corpos equivale a uma cosmogonia. Essa concepção arcaica comum aos diversos povos indo-europeus, teve um desenvolvimento considerável na Índia e no Irã. Nos dez últimos dias de cada ano, as almas retornam à Terra e circulam livremente.






Fausto - Eine Deustsche Volkssage (1926).