Eu me chamo Antonio

sábado, 18 de abril de 2015

A tragédia de Dido

No final do século XVII (1690), surgiu na Itália a Arcádia, uma academia literária com diversos escritores que rejeitavam as extravagâncias do Barroco e divulgavam os ideais neoclássicos no século XVIII. O Arcadismo foi um movimento cultural com o desejo de retornar ao período clássico da literatura, que suscitou o estilo de vida simples dos pastores da lendária região grega de Arcádia, do deus Pan, os quais idealizavam a natureza, se alegravam através da música, da dança e de poesias que enalteciam o amor e o prazer. Proviu ainda o ressurgimento de seres mitológicos. Em Portugal, no ano de 1756, por influência italiana, escritores fundaram a Arcádia Lusitana, academia literária que deu início ao movimento naquele país, cultivando a poesia de ambiente campestre, celebrando a vida pastoral e onde a poesia predominou como gênero literário, embora certas vezes, aproximada da prosa utilizando versos sem rima. Na Arcádia Lusitana ou Arcadismo Português destaca-se entre outros, escritores como: Cruz e Silva, Correia Garção e Reis Quita. Mais tarde, em 1790, surge outra importante academia árcade em Portugal, a Nova Arcádia, onde se destaca entre outros: Caldas Barbosa, Padre José Augustinho de Macedo e um dos maiores poetas portugueses daquele tempo, Bocage. O Arcadismo surgiu em um contexto social, no qual aconteceram profundas mudanças sociais e ideológicas guiadas pelo Iluminismo. Portanto, ele foi a expressão artística da burguesia, classe que protagonizou a luta política travada naquele momento e que chegou ao poder com a Revolução Francesa em 1789.
No poema “Cantata de Dido”, Correia Garção recria a chegada de Enéias à Cartago. Enéias foi um personagem da mitologia grego-romana, cuja história é contada no  poema “Eneida”, épico latino escrito por Vírgilio no século I a. C., ele foi um descendente do rei da  Dardânia, casado com Creúsa com a  qual tinha um filho chamado Lulo. Depois de salvo de um naufrágio e da derrota contra os gregos na guerra de Tróia, Enéias e seus troianos chegam a cidade africana de Cartago, onde são gentilmente recebidos por Dido que se apaixona por ele e tornam-se assim amantes. A cantata reconta a tragédia da rainha Elissa que diz a lenda, mandou matar o seu primeiro marido, pois cobiçava sua riqueza. Assim, Elissa fugiu com seus vassalos, levando consigo as riquezas do marido, até chegar a Costa do Mediterrâneo no norte da África onde resolveu fundar sua nova pátria. Lá, Elissa comprou terras e construiu Birsa, em torno da qual se formou outra cidade; Cartago que prosperou. Elissa foi a primeira rainha de Cartago, com a criação da cidade recebeu dos locais o codinome de Dido. O casal vivia apaixonado e Enéias se esqueceu que seu  destino que era ser o ancestral de todos os romanos, fundando em suas terras na Itália, um império. Um dia, Júpiter o observou e mandou o seu mensageiro Mércurio, lembrá-lo de sua missão e ordenar que partisse imediatamente.


                      Já no roxo oriente branqueando

                As prenhes velas da troiana frota,
                Entre as vagas azuis do mar dourado,
                Sobre as asas dos ventos se escondiam. (GARÇÃO, 2015).



                Que os olhos volve à corte em que os amantes

                A fama esquecem: “Vai, Mercúrio, invoca
                Os zéfiros, nas penas te desliza,
                Filho; e a Birsa, onde aguarda em ócio Enéias,
                Sem respeito às muralhas concedidas,
                Sobre as asas do vento este recado
                Leva-lhe. (VIRGILIO, 2005).



                “Que! lanças de Cartago os alicerces

                E lindos muros maridoso traças?
                Teu reino, ah! tudo esqueces! O alto nume,
                Cujo acenar abala o Olimpo e o mundo,
                Veloz do claro pólo a ti me envia:
                Que meditas? na Líbia com que intuito
                Gastas esse vagar? Se não te excita
                Glória tanta, nem lidas e te afanas
                Trás o louvor, no teu herdeiro atenta,
                No pululante esperançoso Iulo,
                De Itália ao cetro e a Roma destinado.”

                Quebra o seu repousar. Nem te detenho,

                Nem te refuto. Para Itália segue,
                Sim, busca impérios pelas bravas ondas. (VIRGILIO, 2005)



Mercúrio, deus do comércio

A rainha Dido, tenta frustradamente convencer Enéias a permanecer junto com ela.
           

                      A misérrima Dido, 

                Pelos paços reais vaga ululando, 
                C'os turvos olhos inda em vão procura 
                O fugitivo Eneias. 
                Só ermas ruas, só desertas praças 
                A recente Cartago lhe apresenta; 
                Com medonho fragor, na praia nua 
                Fremem de noite as solitárias ondas; 
                E nas douradas grimpas 
                Das cúpulas soberbas 
                Piam nocturnas, agoureiras aves. (GARÇÃO, 2015).




Pela dor e sofrimento ao ser abandonada por Enéias, a rainha  termina por cometer suicídio usando para esse terrível ato uma espada troiana.



                Com a convulsa mão súbito arranca

                A lâmina fulgente da bainha,
                E sobre o duro ferro penetrante

                Arroja o tenro, cristalino peito;
                Em borbotões de espuma murmurando
                O quente sangue da ferida salta:
                De roxas espadanas rociadas
                Tremem da sala as dóricas colunas. (GARÇÃO, 2015).



                Trépida e em fera empresa encarniçada,

                Vibrando olhos sanguíneos, e às trementes

                Faces de nódoas salpicada, o interno
                Claustro penetra, pálida a rainha
                Já da futura morte, e furibunda
                Sobe à fogueira, o tróico ferro despe,
                Não para tal crueza reservado. (VIRGILIO, 2005).


Brutal e mortalmente ferida, se desvairando em sangue entre desmaios e o pranto, os soluços, os gritos e gemidos dos seus súditos, a rainha lentamente agoniza.



                     Não acabava; e sobre o estoque as damas

                A vêem cair, de sangue as mãos tingidas
                E a lâmina espumando. O clamor altos
                Átrios atroa; às tontas corre a Fama
                De cabo a cabo; com soluços, gritos,
                Com femíneo ululado os tetos fremem;
                Todo o ar retumba do alarido e pranto:
                Qual, de hostil assaltada, se em ruínas
                Cartago, ou Tiro antiga ardesse em alas
                Furentes, ateadas nas dos homens,
                Nas cumieiras dos deuses. Aturdida, (VIRGILIO, 2005)



                Três vezes tenta erguer-se, 

                Três vezes desmaiada, sobre o leito 
                O corpo revolvendo, ao céu levanta 
                Os macerados olhos. 
                Despois, atenta na lustrosa malha 
                Do prófugo dardânio, 
                Estas últimas vozes repetia, 
                E os lastimosos, lúgubres acentos, 
                Pelas áureas abóbadas voando 
                Longo tempo depois gemer se ouviram: (GARÇÃO, 2015).






 A morte de Dido por Augustin Cayot (1667-1772)



Orco o deus do submundo e da morada dos mortos na mitologia romana, punidor daqueles que quebravam juramentos, prepara o sacrifício de Dido, para os espíritos sobrenaturais das divindades celestiais mitológicas. Na mitologia grega Orco corresponde a Hades, o deus que também emprestava o nome ao mundo inferior e dos mortos.


                      D'Orco aos tremendos numens 

                Sacrifícios prepara; 
                Mas viu esmorecida 
                Em torno dos turícremos altares, 
                Negra escuma ferver nas ricas taças, 
                E o derramado vinho 
                Em pélagos de sangue converter-se. 
                Frenética, delira, 
                Pálido o rosto lindo 
                A madeixa subtil desentrançada; 
                Já com trémulo pé entra sem tino 
                No ditoso aposento, 
                Onde do infido amante 
                Ouviu, enternecida, 
                Magoados suspiros, brandas queixas. 
                Ali as cruéis Parcas lhe mostraram 
                As ilíacas roupas que, pendentes 
                Do tálamo dourado, descobriam 
                O lustroso pavês, a teucra espada. (GARÇÃO, 2015).



                Finais vozes repete: “Ó doces prendas,

                Quando o queira um deus e o fado, est’alma
                Recebei, libertai-me de pesares.
                Vivi, perfiz o destinado curso:
                Grande irá minha sombra agora ao Orco. (VIRGILIO, 2005)


Por fim, a rainha africana banhada de sangue quente, se joga nas chamas flamejantes da fogueira de uma pira funerária, que mantinha em sua fortaleza real.


                     Os que encetei solenes sacrifícios

                A Jove Estígio concluir tenciono,

                Findar meus males e entregar à pira
                A imagem do infiel.” Termina; a serva
                Com senil zelo acelerava o passo. (VIRGILIO, 2005).

                Armei-te a pira eu mesma, e os deuses pátrios

                Invoquei, para assim, cruel, jazeres
                Na minha ausência? A mim e a ti mataste,
                E o povo e os padres e a cidade tua. (VIRGILIO, 2005).


E no desfecho da trama, a infeliz rainha Dido de Cartago entrega-se finalmente à morte.


                         Doces despojos

                Tão bem logrados 
                Dos olhos meus,
                Enquanto os fados,
                Enquanto Deus
                O consentiam,
                Da triste Dido
                A alma aceitai,
                Destes cuidados
                Me libertai.
                Dido infelice
                Assaz viveu;
                D’alta Cartago (GARÇÃO, 2015).

                          Finais vozes repete: “Ó doces prendas,

                Quando o queira um deus e o fado, est’alma
                Recebei, libertai-me de pesares.
                Vivi, perfiz o destinado curso:
                Grande irá minha sombra agora ao Orco. (VIRGÍLIO, 2005)


Assim, Plutão o deus dos mortos, das riquezas e responsável por tudo que se encontra debaixo da terra na mitologia romana, recebe através da morte por suicídio da rica rainha Dido, a sua lúgubre e nefasta homenagem.



                     “O tributo a Plutão mandada levo;

                Do corpo eu to desligo.” Disse, e o corta:
                Foi-se o calor e evaporou-se a vida. (VIRGÍLIO, 2005)


E enquanto soprava o vento e zarpavam os navios troianos, a mente de Enéias divagava, olhando para o fogo da fogueira, para a fumaça e fuligem das cinzas que subiam para o céu, na pira funerária onde cremava o corpo da rainha que foi sua amante.

Referências

FONTE DO SABER. Arcadismo em Portugal – Origem, História e Características. Disponível em: < http://www.fontedosaber.com/portugues/arcadismo-em-portugal.html>. Acesso em: 04 mar. 2015.

GARÇÃO, Pedro António Correia. Cantata de Dido. Disponível em: < http://www.citador.pt/poemas/cantata-de-dido-pedro-antonio-correia-garcao>. Acesso em: 05 de mar. 2015.

MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa. 35. ed. São Paulo: Cultrix, 2008. 

VIRGILIO, Publio Maronis. Eneida. Brasil: Ebooks. Jan 2005. Disponível em: < http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/eneida.html>. Acesso em: 05 mar. 2015.

WIKIPÉDIA. Dido. Disponível em:< http://pt.wikipedia.org/wiki/Dido>. Acesso em: 04 mar. 2015.

______. Enéias. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Eneias>. Acesso em: 04 mar. 2015.

______. Plutão (mitologia). Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Plut%C3%A3o_(mitologia)>. Acesso em: 05 mar. 2015.

______. Orco. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Orco>. Acesso em: 05 mar. 2015.




quinta-feira, 16 de abril de 2015

A Bahia por Gregório de Matos



Disponível em: 
<http://www.sardenbergpoesias.com.br/homenagens/gregorio_de_matos/gregorio_de_matos.htm>.


No século XVII, a Bahia aparece nostálgica na poesia satírica de Gregório de Matos, mas ao mesmo tempo o poeta critica a degradação moral e econômica da cidade. Naturalmente quando definiu sua cidade, o poeta sabia que Bahia não tem “ff”, ainda assim, ironicamente satiriza sua certeza e acredita piamente que para se definir a Bahia, basta dizer “furtar e foder”. O seu paradoxo é o da realidade histórica daquele momento, coexistindo no mesmo local duas Bahias: uma no olhar do poeta nostálgica e melancólica, outra absurda e indesejada, nessa a decadência dos engenhos de açúcar levavam a ascensão de uma burguesia de comerciantes e mercadores oportunistas espoliadores, os quais detinham o poder político e econômico, enquanto os trabalhadores honestos estavam na pobreza. Principalmente a poesia satírica de Gregório faz alusão a duas de suas maiores referências: o Brasil e Portugal. Em fins do século XVII, o sistema escravocrata não conseguia mais sustentar a economia da Metrópole e Portugal em decadência impôs ao Brasil uma série de restrições comerciais a fim de obter vantagens. Gregório de Matos nasceu em Salvador em 1636, fidalgo filho de um senhor de engenho em 1650 foi estudar na Corte, em Portugal, onde se formou em direito, retornando ao Brasil em 1683. Assim sendo tinha condições de pensar e analisar seu momento histórico sob diversas perspectivas. A partir daí, e durante uma década, escreveu poemas que zombavam, criticavam, incomodavam e até ofendiam a sociedade baiana e pouco importava se o alvo era branco ou negro, rico ou pobre, poderoso ou escravo. Distanciado da sociedade hipócrita que ele condenava, resolve viver à margem da sociedade como um poeta itinerante, percorrendo o recôncavo baiano e frequentando festas e rodas boemias. Encarnava o papel da voz e do discurso crítico sobre a mesma classe social na qual estava inserido, pois dependia da nobreza e vivia à custa de seus favores. Foram os poemas satíricos que fizeram sua glória e, em seguida, sua ruína. Por conta desses, ficou conhecido como “O Boca do Inferno e perdeu o importante cargo de tesoureiro da Sé sendo deportado para Angola em 1694, lá ajudou os portugueses durante uma revolução e ganhou o direito de retornar ao Brasil, embora fosse proibido de voltar à Bahia. Faleceu então no Recife provavelmente em 1696. Se por um lado, na sua obra satírica Gregório de Matos expõe e critica sem nenhum pudor a sociedade da sua época, por outro lado deixou também uma vasta produção de poemas sacros e líricos. O ambiente fortemente cristão do período barroco aparece nos poemas sacros, como no soneto "A Jesus Cristo Nosso Senhor", maior representante da poesia sacra de Gregório de Matos, nesse o poeta utiliza da linguagem para conseguir seu perdão e salvação não apenas entre ele e Deus, mas também entre a sociedade e si mesmo. Enfim, a ironia e a crítica social existentes nos poemas satíricos também são notadas em sua produção lírica e religiosa.

Gregório de Matos


Triste Bahia



Referências

BOSSI, A. Do Antigo Estado à máquina Mercante. Disponível em: < http://www.ead.ufpb.br/pluginfile.php/160690/mod_resource/content/1/Bosi_do%20antigo%20estado%20a%20maquina%20mercante.pdf >. Acesso em: 11 de out. 2014.


LITERATORTURA. Hora do Poema: Gregório de Matos - boca do inferno! Disponível em: < http://literatortura.com/2012/05/hora-do-poema-gregorio-de-matos-boca-do-inferno/ >.  Acesso em: 11 de out. 2014.

MÍDIA LOCATIVA. Define a Sua Cidade. Disponível em: < http://www.andrelemos.info/midialocativa/2009/06/defina-sua-cidade.html>. Acesso em: 11 de out. 2014.

VERSO E CONVERSA. Gregório de Matos define sua cidade. Disponível em: < http://versoeconversa.blogspot.com.br/2012/09/gregorio-de-matos-define-sua-cidade.html>. Acesso em: 11 out. 2014.


O Romantismo no Brasil

      Do surgimento de uma linguagem literária brasileira

O início da colonização do Brasil é marcado linguisticamente pelo predomínio do “tupi” misturado ao “português”, somente depois de 1750, Portugal baniu as línguas gerais e o seu uso foi criminalizado. Apesar disso, expressões indígenas e populares brasileiras, insistiam em permanecer nas falas dos cultos das novas “Academias Literárias Neoclássicas”. Assim, termos e expressões legitimamente brasileiros e consagrados através da língua falada, passaram a ser usados na literatura nacional, por isso, muitos estudiosos consideram as produções árcades brasileiras, precursoras do Romantismo no Brasil, pois seguindo essa tradição linguística, os primeiros poetas românticos brasileiros adotaram como desejo, a criação de uma nova literatura que expressasse a natureza e os costumes brasileiros. Se por um lado, a mudança da política linguística de Portugal colaborou para a unificação da língua portuguesa na colônia, por outro lado, serviu como estopim para o aparecimento e a formação de uma literatura genuinamente brasileira.

Imagem 1: Portugal sob a tutela do Marquês de Pombal baniu as línguas gerais no Brasil e criminalizou o uso.



           Do romantismo no Brasil

No começo do século XIX, na América latina, um cenário de guerra afligia especialmente as colônias espanholas. Mas, diferente desse contexto, o Brasil colonial aproximou seus laços com Portugal e essa paz contribuiu tanto na expressão da cultura ocidental como no florescimento do Romantismo no país. A chegada da família real portuguesa e sua corte em 1808 e a transferência da sede da monarquia portuguesa para o Rio de Janeiro, proporcionou a criação da biblioteca nacional, a fundação de faculdades, a importação de livros, a instalação de tipografias e os primeiros jornais brasileiros e com a independência do Brasil em 1822, o sentimento de otimismo nacional, instaurado pelo fim dos laços coloniais que prendiam o Brasil a Portugal, abre portas para o Romantismo.  Os intelectuais vindos da tradição colonial eram padres e bacharéis, identificados com os interesses da Colônia e passivos diante das ações políticas governamentais, o que lhes garantia a permanência em cargos oficiais. Com a vinda da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, o intelectual brasileiro muda de perfil e passa a reivindicar o direito à crítica, adota a razão e o sentimento cívico, e é impelido a se engajar politicamente, participando diretamente na militância em rebeliões ou indiretamente, redigindo jornais com artigos de análise política. Didaticamente, associa-se o ano de 1836 com o nascimento da literatura brasileira e o surgimento do Romantismo no Brasil, com a publicação do romance “Suspiros Poéticos e Saudades” e a edição do primeiro número da revista “Niterói” em Paris, por Gonçalves de Magalhães.

Imagem 2: De Paris, Gonçalves de Magalhães lançou o Romantismo no Brasil.




       As três gerações de romancistas brasileiros

Na primeira geração da poesia brasileira representada pelos romancistas Gonçalves de Magalhães, Gonçalves Dias e José de Alencar, conhecida como “geração nacionalista ou indianista”, o espírito das rebeliões, o sonho da liberdade e os anseios pela independência, exaltaram a necessidade de uma identidade nacional que se traduziu na linguagem literária autóctone e na descrição do indígena como o “bom selvagem”, forte e bonito.

Imagem 3: Gonçalves Dias, romancista autor do famoso poema “Canção do  Exílio”.



Imagem 4: José de Alencar, retratou o indío, o regionalismo e a história valorizando a língua falada no Brasil. 



Já a segunda geração de romancistas brasileiros, chamada de “geração do mal do século” ou “geração ultra-romântica”, através da poesia de estudantes boêmios, inspirados especialmente no poeta britânico Lord Byron, ambicionava por liberdade e desejava formar a nobreza brasileira, mas marcada pela contradição, demonstrava desencanto e descrença com  a vida, buscando refúgio no passado, na obsessão pela morte, na solidão, nos sonhos e devaneios e numa  literatura obscena e irreverente tão presentes na obra de Álvares de Azevedo ou no lirismo ingênuo exibido nos versos de Casimiro de Abreu, entre outros mais.  

Imagem 5: Álvares de Azevedo escreveu poemas repletos de melancolia e desencanto com a vida.



A partir da segunda metade do século XIX, surgiu a terceira geração de romancistas brasileiros chamada de “geração condoreira”, termo inspirado no “condor”, uma alusão comparativa entre o vôo alto da ave, que voa além do topo das pitorescas montanhas andinas e os fastígios ideais dessa geração marcada pela crítica social e libertária e pelo aprofundamento do nacionalismo, atestados nos poemas de Castro Alves, o poeta abolicionista.

Imagem 6: Castro Aves com 18 anos, "poeta dos escravos" e talentoso poeta condoreiro.



Considerações finais

Durante o século XIX e início do século XX, muitos poetas romancistas brasileiros levavam uma vida boêmia e noturna, divertindo-se nas tavernas e entregando-se à bebida e ao fumo. Até 1929, não existiam antibióticos e a tuberculose ainda era uma doença incurável. Pelos seus estilos de vida desvairados, muitos poetas contraíram a tuberculose que se tornou conhecida como a “doença dos poetas”. Castro Alves morreu aos 24 anos e Álvares de Azevedo morreu com apenas 20 anos.
A ruptura da literatura brasileira com o purismo linguístico lusitano, que teve inicio com o Romantismo, alcançou grande visibilidade com o Modernismo e continua a inspirar os linguistas e poetas da literatura nacional. Em outro contexto, caberia uma melhor avaliação da forma e dos meios como acontece à apropriação das literaturas européias desde o Romantismo até hoje. Convencionou-se como o marco do fim do romantismo inglês a morte de Lord Byron em 1824; no entanto, doze anos depois, numa opinião crítica o título “Suspiros poéticos e saudades” levanta suspeitas e confusão, pois os “suspiros” de Gonçalves de Magalhães trazem logo à lembrança os “gemidos byronicos”. Mais semelhanças aparecem também na obra de outros românticos brasileiros, como as recorrentes epígrafes de Lord Byron nos poemas de Gonçalves Dias: “A Tarde” e “Sonhos”, reconhecendo Lord Byron como o “mal do século”. Entre os romancistas brasileiros que evocam a figura e a criação de Lord Byron, principalmente pela ambiguidade estilística, se destaca a obra de Álvares de Azevedo. Nem mesmo Castro Alves escapou ao “byronismo”, no seu livro “Espumas flutuantes”, além das traduções de poemas de Lord Byron, inclui alusões a fatos e personagens dos poemas de Lord Byron. Já foi reportado que os antigos críticos literários nacionais mostravam satisfação em apresentar denúncias sobre as influências e os plágios na literatura nacional; atitude típica da inclinação em fazer comparações entre escritores brasileiros e autores estrangeiros, para assim caracterizar e avaliar sua obra.  
Amante - Álvares de Azevedo
      Referências

CARVALHO, Brenda. Tuberculose, “a doença dos poetas”. Disponível em: < https://focagen.wordpress.com/2012/12/19/tuberculose-a-doenca-dos-poetas/>.  Acesso em: 20 mar. 2015.

CUNHA, Cilaine Alves. Visões do romantismo. Disponível em: < http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/visoes-do-romantismo-por-antonio-candido/>. Acesso em: 20 mar. 2015.

OLIVEIRA, Solange Ribeiro de. Byron e os românticos brasileiros. Rev. SCRIPTA. Belo Horizonte, v. 15, nº 29, p. 143 -159, 2º semestre, 2011.  Disponível em: <http://www.ead.ufpb.br/pluginfile.php/27917/mod_resource/content/1/Texto%2001%20-%20Byron%20e%20os%20rom%C3%A2nticos%20brasileiros.PDF>. Acesso em: 20 mar. 2015.

O ROMANTISMO no Brasil – a narração da nação. Disponível em: <http://www.ead.ufpb.br/pluginfile.php/27921/mod_resource/content/1/MATERIAL_2011.2/Texto_4.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2015.



segunda-feira, 13 de abril de 2015

A Pedagogia da Permissividade


Já faz algum tempo que busco respostas que possam explicar a degradação do ensino público nesse país. Foi num dia como outro qualquer que chegou as minhas mãos, um texto que  é parte de um livro sobre a formação do professor e que se não consegue sozinho explicar totalmente essa complexa questão, pelo menos esclarece em parte o problema e abre espaço para os comentários e esclarecimentos de outros. O que está descrito, funciona como uma luz no fim do túnel na elucidação de fatos para os quais, pelo menos eu, vivia na obscuridade. Contudo, é importante aqui lembrar que reconheça e saiba que ao ver a luz no fim do túnel,  devemos observar atentamente se não é  o trem, como já alertou um poeta. 

A partir de uma leitura relativamente curta, foi possível compreender que por volta do início da década de 1970 e aliado a outros fatos históricos de natureza política e teorias de aprendizagem, surgiu na Inglaterra  uma escola de proposta inovadora a qual proclamou que ninguém precisa ser doutor para ser feliz e que recebia os alunos rejeitados pelas escolas convencionais. Até aí tudo bem. Em "Summerhill", uma escola inglesa  idealizada por um tal de Neil, os estudantes decidiam se queriam, o quê, como e quando estudar. Nela, os professores atuam muito mais como psicólogos clínicos do que como educadores propriamente ditos.  

As evidências levam a supôr que naquela época a discussão política era sorrateiramente dissimulada e a qualidade do ensino era apresentada como a disposição do professor em funcionar como um psicólogo, sempre disposto a entender os motivos dos seus alunos e a inventar métodos que motivassem suas turmas. Aquela nova maneira de educar, naturalmente encantava jovens professores que com razão rejeitavam a opressão e o autoritarismo das escolas e das universidades nas quais haviam  sido instruídos ao longo do tempo, especialmente durante os anos de chumbo no Brasil. Assim, a tese da insensibilidade e do desamparo afetivo do estudante caía como uma luva no contexto histórico vivenciado naquele momento e servia como abre alas nas lutas do movimento estudantil. 

Naquele tempo, enquanto o movimento estudantil reivindicava justamente a participação dos estudantes  na administração e política  da educação e da sociedade, aqueles jovens e novos  professores ambicionavam por alunos responsáveis e livres capazes de expor suas ideias e traduzir seus pensamentos através de argumentos lógicos e racionais. Foi seguindo esse modelo que o interesse, a capacidade, a opinião e a preferência do aluno tornou-se a bola da vez das discussões pedagógicas. No entanto, essas discussões pedagógicas eram inerentemente superficiais, uma vez que, professores que tinham trezentos ou até quatrocentos alunos e ministravam mais de trinta horas de aulas semanais, não tinham mesmo muito tempo disponível para se dedicar a uma análise profunda sobre o assunto ou a coisa  nenhuma. Por outro lado, aqueles professores que defendiam um convívio democrático entre professores e alunos, não percebiam o que estava implícito nas entrelinhas daquela ideologia promovida  por universidades  amorais ansiosas em se libertar dos seus males seculares. 

 

Desse jeito, jovens entusiasmados professores foram convencidos a limitar seu conteúdo a uma simples exposição dos assuntos e deixar os seus alunos livres para criar e organizar suas próprias ideias, fazendo de conta ou mesmo ignorando que pensamentos e ideias são a prova de balas e não nascem a partir do vago, do vazio e do nada.  De forma semelhante, foram também persuadidos que a liberdade dos alunos é tão frágil que não pode se submeter a opinião de um professor. Os inexperientes mestres nem desconfiaram que a pedagogia que promovia as avaliações baseadas em testes de múltipla escolha nas escolas e vestibulares do país, correspondia a uma prática que atendia a necessidade de avaliar cada vez mais e mais alunos em salas de aulas dia após dia mais lotadas, colocando na berlinda a complexidade técnica e psicológica da avaliação. Nessa pedagogia, o objetivo se baseia em descobrir a alternativa correta entre cinco alternativas propostas, tornando "sábio" aquele que é capaz de reduzi-las a apenas duas alternativas. Portanto, conclui-se que o bom professor seria sem dúvida aquele que ensina o truque de mágica capaz de decifrar o enigma de forma inócua para quem busca acertar.


Toda essa simplificação pôs o método no centro das investigações e o reduziu ao filho bastardo do himeneu entre as pedagogias permissivas que desmoralizam o aluno na medida em que desconsideram a sua individualidade e as avaliações de múltiplas escolhas que engessam o professor. Essa má interpretação da democracia do ensino discriminam o aluno como individuo em razão da disseminação da piedade do professor para com o aluno e da auto-piedade por parte do próprio aluno, além disso, trazem consigo a diminuição das exigências propostas pelas pedagogias permissivas que coniventes, pactuam com as dificuldades que o aluno aprendeu a usar e alegar na intenção de conseguir seus objetivos com pouco esforço e nenhum trabalho. O desprezo pela disciplina, o plágio, as pressões para adiar provas, para recuperar notas com trabalhos em grupo, os pedidos para fazer avaliações com consulta, para que o professor mude a nota, mude o método, mude o professor, decorrem da diluição do indivíduo dentro do grupo como idealizado pelas pedagogias da permissividade, onde tudo é permitido e nada é reprovável, numa ausência completa dos valores e virtudes e a imposição da exaltação monopolizante das competências e habilidades, obviamente com a intenção de formar idiotas úteis para a competição, para a guerra e para um universo de um trabalho repetitivo e limitado, de produção e de consumo. O sistema mercantil fez do trabalho o seu principal valor, pois é através dele que se consegue dinheiro para consumir e nesse, o papel do trabalhador se confunde com o da máquina, o que traduz o trabalho no que a etimologia da palavra já estabelece: um antigo instrumento de tortura.

A destruição dos valores individuais inabilitou e desclassificou o aluno,  pois na ausência de um líder comprometido com a construção de conhecimento ele é estimulado a aprender nessa inusitada escola que na sua tentativa de ser diferente e inovadora continua chata, antiquada e agora violenta. O professor que se iguala ao estudante, ao substituir o conhecimento que deveria processar junto ao seu aluno por uma genérica compreensão, está demonstrando que o julga incapaz de aprender e está colaborando na destruição de sua auto-estima. Há estudos que apontam que existe uma relação entre auto-estima e o rendimento escolar, de maneira que os alunos que apresentam um alto nível de auto-estima obtêm melhores resultados de aprendizagem. A forma como o professor ensina e sua maneira de se relacionar com os alunos, sua postura como pessoa e como profissional se refletem nas reações e comportamentos dos alunos, marcando-os com um aprendizado mais significativo do que os próprios conteúdos trabalhados na disciplina.  


Uma sala de aula sem professor é uma orquestra sem  maestro. Você já viu uma orquestra sem maestro? Conhece alguma reivindicação  de músicos em prol da abolição do maestro diante da orquestra?. É essa escola sem professores e sem aprendentes que abre o caminho para domínio da televisão, o qual propõe a assimilação passiva e determina o que é interessante para todos, o que devemos saber, aprender  e entender como verdade, aniquilando quaisquer perspectiva de despertar a curiosidade pela pesquisa e a descoberta do mundo e da realidade por conta própria.



Todo esse abandono gerou professores sem identidade, sem um paradigma a ser observado ou seguido e tornou um martírio o trabalho em sala de aula. Somente a experiência do professor pode lhe dar condições de se afastar desse opróbrio, dessa ignomínia, no entanto, desafios e atitudes assim podem representar um grave risco e resultar no seu afastamento de um sistema desumano que se institucionalizou e que certamente se originou e alicerçou a partir de premissas estabelecidas pelos famigerados e míticos métodos construtivista e sócio-interacionista. Na verdade, a educação sempre esteve atrelada a modelos de organização inadequados, privando os professores de tomar decisões em relação aos conteúdos e formas de agir, acarretando a supervalorização do trabalho dos gestores e supervisores escolares e a redução do fazer didático, provocando uma separação entre o pensar e o agir da atividade docente que fica restrita a aplicação de normas estabelecidas em documento oficiais.  Por isso, a escola se mostra inoperante, defasada, incapaz de acompanhar as novas exigências da sociedade. O professor é o elemento chave para qualquer mudança, pois só se estiver convencido da necessidade de mudar é que as reformas acontecerão. A natureza do trabalho educativo envolve diretamente o professor e o aluno e todas as ações são direcionadas a uma relação de apoio e confiança, assim qualquer mudança não pode se dá a partir decisões externas a essa realidade.

No julgamento que se faz atualmente a qualidade do ensino está atrelada à competência do professor.  Hoje, o professor necessita agir e pensar de outra maneira porque transmitir conhecimentos não é mais o seu papel.  Essa nova pedagogia pega o professor despreparado, mal informado e sem condições de solucionar os problemas na sua sala de aula.  O professor é cobrado de diversas formas pela família e pela sociedade que os responsabilizam por todos os males e juntem-se a isso, os baixos salários e o desprestígio social da profissão.  Por outro lado, as reformas curriculares pouco têm a ver com a rotina do trabalho docente o que as torna nada mais do que letra morta. Nesse sentido, qualquer proposta de formação docente deve ser de investigação e de busca de novos caminhos.

Essa ebulição de acontecimentos e retóricas internacionais nos chega associada a propaganda e a política pública da escola em tempo integral, onde o Estado tem todo o tempo para educar e formar as crianças, semeando nas suas mentes embrionárias as ideias e ideais de seus interesses, colocando a família em um lugar secundário na educação de sua prole, e com sucesso, pois a família se eximiu da tarefa de educar e entende que  a tarefa de educar é dever do Estado. Naturalmente tal ideia está baseada na luta do movimento feminista pela mulher independente, "bem sucedida", dona do seu  nariz e do seu destino, incapaz de se realizar e ser feliz no ambiente lúgubre de tortura e opressão, da masmorra que representa o seu  lar e sua família. Como se ainda tudo isso não fosse o suficiente, o discurso na escola também muda, infesta e impregna na cabeça dos professores a balela que deve ser repetida para a família: "a escola não educa, apenas informa, quem educa é a família". Por fim, a família não se considera capaz ou no dever de educar, ao mesmo tempo, tão pouco o Estado representado na escola educa, apenas informa. Afinal de contas, a quem cabe a tarefa de educar? Deite-se eternamente em berço esplêndido e durma-se tranquilamente com essa merda toda ao seu redor!  




Brasil, pátria educadora.






Referências

GUEDES, P. C. A formação do professor de português: que língua vamos ensinar. São Paulo:Parábola. 2006. 104 p.


RAMOS, I. A. V. Didática. In: RIBEIRO, A. L. et al. Cadernos CB Virtual. João Pessoa: Ed. Universitária. 2010. 427 p.