Eu me chamo Antonio

sábado, 4 de julho de 2015

"Eu, 100 anos depois".




Vandalismo

Para ele, a vida não valia à pena. A prisão ao corpo e a vida material o atemorizava, assustava e entristecia. Não passamos de um corpo decadente que lentamente apodrece em direção ao nada e à morte. A vida só é aceitável no plano espiritual. Do Romantismo herdou a obsessão pela morte e enquanto os parnasianos se fantasiavam com os clássicos, desmascarou a realidade no Brasil e acabou o carnaval como sempre acontece, numa triste, cinzenta e lúgubre quarta-feira. Não foi acolhido por nada e por ninguém, permaneceu solitário. Para o professor de literatura João Trindade, Augusto é o poeta modernista que o grupo de egocêntricos intelectuais paulistas organizadores da Semana de Arte Moderna, não quis reconhecer. O poeta Olavo Bilac nem sequer o conhecia. Depois de apresentado a um poema de Augusto por ocasião da sua morte, Olavo afirmou: “Não se perdeu muita coisa na literatura brasileira”. Infortunadamente, o urubu pousou na sua sorte, pois enquanto hoje os livros de Olavo Bilac são muito pouco lidos e conhecidos, o “Eu” conta com mais de quarenta edições e Augusto continua a ser um dos mais lidos e populares poetas brasileiros.

Augusto dos Anjos nasceu no engenho Pau D’Arco, em Sapé, na Paraíba, Brasil, no dia 20 de abril de 1884. Foi alfabetizado pelo pai e estudou no Lyceu paraibano. Ainda muito jovem, contrariando a vontade da família, nutriu uma paixão por uma serva da casa, que se aprofundou na forma de caso amoroso. Engravidou a humilde jovem que por conta disso, foi surrada até a morte a mando dos genitores dele. Em 1907 tornou-se bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Recife. Mais tarde, em 1910, casou-se com Éster Fialho. Seu primeiro filho nasceu morto com 7 meses incompletos. Depois, teve com ela uma filha chamada Glória.

 
A árvore da serra

Ricordanza della mia gioventú

O maior de todos os paraibanos saiu de sua terra, expulso e impossibilitado de lá sobreviver e para lá nunca mais voltou. Em 1908, sendo ele professor do Lyceu Paraibano, embora professor substituto e não efetivo, gostaria de licenciar-se, mas continuando a receber os seus provérbios, para poder ir até o Rio de Janeiro lançar o seu primeiro livro intitulado “EU”. O poeta tinha consciência que o seu livro teria melhor projeção se lançado no sudeste do Brasil, região que concentrava a elite intelectual da época. Procurou o então Governador do Estado, João Machado, que negou o seu pedido. O fato culminou com impropérios de sua parte para com o governador, a quem já havia defendido em seus artigos e discursos, gerando uma intriga. João Machado, governador da Paraíba na época, era daquelas pessoas que seguem rigorosamente a legislação, que por sua vez, vetava a concessão daquilo que o poeta o havia pedido. Concordava, no entanto, que o poeta e professor se afastasse, contudo sem receber mais seus vencimentos. Diante disso, viajou ao Rio de Janeiro com o dinheiro que lhe foi emprestado por seu irmão. Dinheiro esse que jamais conseguiria ressarcir ao irmão, uma vez que por ocasião do lançamento do seu livro as vendas foram muito fracas. Somente a partir de 1929, com a quebra da bolsa de Nova Iorque e a crise financeira internacional, em sua terceira edição, o “Eu” tornou-se um “best-seller”, vendendo algo em torno de mil cópias em apenas quinze dias. O “Eu” tornou-se leitura obrigatória para os estudantes de medicina da faculdade de medicina do Rio de Janeiro. 

Depois de dois anos de peregrinação e fome no Rio de Janeiro, aonde chegou a morar em doze lugares diferentes, Augusto chegou a Leopoldina, no estado de Minas Gerais, no dia 22 de junho de 1914. Lá, ministrava aulas particulares de português, inglês, francês, grego e latim. Nesse ano então, o leopoldinense Dr. José Monteiro Ribeiro Junqueira, conseguiu para ele o cargo de diretor do grupo escolar. O “ginásio” era um colégio particular que atendia aos filhos dos barões do café e o ensino era preparado pela escola Pedro II do Rio de Janeiro. Leopoldina desde aquele tempo, já era uma cidade voltada para o saber e Augusto afirmava que lá teria encontrado o seu “nirvana”.  Tragicamente, depois de comparecer a um enterro debaixo de muita chuva, Augusto chegou a sua casa encharcado. No dia seguinte, apresentou febre alta e tremores, sendo diagnosticado com pneumonia. Num mundo ainda sem antibióticos, morreu doze dias depois, em 12 de novembro de 1914, com apenas 30 anos de idade.

Ironicamente, a Paraíba considerou-se roubada e dizia-se que os leopoldinenses haviam roubado o poeta dos paraibanos. A Paraíba desejava os ossos de Augusto, mas os familiares do poeta lavraram um documento em cartório, impedindo o translado dos restos mortais do poeta para a terra que o rejeitou no passado. Para cumprir-se o desejo do poeta que desejava ser sepultado à sombra de um pé de tamarindo, uma muda da planta foi levada da Paraíba para Leopoldina e plantada atrás do túmulo do poeta, onde até hoje ele descansa em paz. 

Debaixo do tamarindo

Um importante questionamento foi feito pelo escritor Jairo César no programa “Impressão” especial, apresentado pelo canal da Assembléia Legislativa do estado da Paraíba, em comemoração aos 100 anos da morte de Augusto. Ele argüiu: “Como se encontraria o mausoléu de Augusto dos Anjos, caso os seus restos mortais tivessem voltado à Paraíba?”. Esse questionamento pode ser facilmente respondido por qualquer um que visite o mausoléu do grande estadista paraibano assassinado em 1930, João Pessoa, no Palácio da Redenção, localizado em frente à praça no centro da capital paraibana, que recebeu como a capital do estado o seu nome e aonde nem mesmo lâmpadas queimadas são substituídas.  Ademais, se dependesse da vontade de alguns pseudo-intelectuais e políticos paraibanos, a capital já teria inclusive mudado de nome e o Estado da Paraíba já teria uma nova bandeira. Além disso, até hoje, não há na Paraíba uma grande obra pública que homenageie Augusto dos Anjos. Poucos anos atrás, foi inaugurado na capital o Centro de Convenções do estado, nem Augusto dos Anjos, muito menos outro grande estadista paraibano, o ex-governador professor Tarcísio de Miranda Burity, mentor do projeto Costa do Sol, na área aonde o Centro de Convenções da Paraíba foi construído foram lembrados. Tão pouco o povo da Paraíba foi consultado pelo governo democrático de “esquerda caviar” a respeito de qual nome gostaria de dar ao imponente prédio que, diga-se de passagem, foi um projeto do ex-governador José Targino Maranhão, o mesmo que em 1997, depois de 67 anos, trouxe de volta para a Paraíba os restos mortais de João Pessoa, promovendo uma cerimônia para recebê-los. Assim, o Centro de Convenções na capital da Paraíba, homenageia outro muito menos lido poeta, o ex-governador da Paraíba, Ronaldo Cunha Lima, que lamentavelmente como os fatos históricos se repetem, mas dessa feita sem os alegados motivos passionais de 1930, tentou assassinar o ex-governador Tarcísio Burity durante um almoço, no sofisticado e charmoso restaurante Gulliver, na praia de Tambaú, na capital paraibana.


Imagem do túmulo de Augusto dos Anjos em Leopoldina - MG

No início do século XX, quando seu único livro foi lançado; assim como no ano 2000, quando o povo da Paraíba o elegeu como o paraibano do século e daí por diante por tempos imemoriais até o fim do mundo, como sempre foi desde o início, será o povo que resgatará Augusto do ostracismo. É pura verdade que na Paraíba, o antigo ditado: “santo de casa não faz milagres”, se aplica com todas as suas letras.

Psicologia de um vencido 

Asa de corvo



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