Eu me chamo Antonio

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Discurso de um orador

O texto que em seguida lhes apresento é uma síntese do discurso que preparei como orador da primeira turma de graduação de Licenciatura em Ciências Biológicas pela UFPB Virtual no ano de 2012.

 Em tempos onde a descendência de Isaac muitas vezes impera e é enaltecida como “os heróis do mundo”, enquanto a descendência de Ismael é tantas vezes divulgada como a “vilã da história”, resolvi inicialmente conduzir a uma reflexão sobre a importante contribuição que o Oriente deu a humanidade, elegendo um conto árabe para o começo do meu discurso.

Havia uma vez numa cidade do oriente, um cozinheiro cuja fama se espalhava por todos os cantos da Península Arábica. A comida por ele preparada era apreciada por todos os que tinham o prazer de prová-la e sobre ela se falava em todo o país. Aconteceu que havia naquela cidade um estudante que não tendo como pagar pela tão ambicionada refeição, se punha todos os dias em torno das janelas do restaurante do famoso cozinheiro, nos horários das refeições. O jovem rapaz sorvia prazerosamente de olhos cerrados, o aroma dos alimentos que emanavam com o vento através das janelas, toda vez que os pratos eram servidos na mesa do cliente. Esta foi à maneira que aquele estudante encontrou para apreciar o cardápio do famoso cozinheiro.

O cozinheiro que era também o dono do restaurante observava aquele jovem. A presença contínua do rapaz nos arredores do restaurante o aborrecia e a expressão de deleite que exibia no rosto ao sentir o perfume da comida por ele preparada, o enchia de fúria. Decorrido algum tempo, o homem resolveu procurar a autoridade judicial da cidade e colocado diante do juiz contou-lhe sobre o caso do estudante, da sua incômoda presença nos arredores do seu sofisticado restaurante e da sua criminosa mania de furtar o aroma dos seus alimentos.

O juiz então ordenou que trouxessem a sua presença o estudante infrator para que pudesse ouví-lo. O jovem explicou ao juiz virando os bolsos, que não tendo mais do que algumas moedas, não podia pagar pelas apetitosas refeições servidas por tão ilustrado cozinheiro e por isso, contentava-se em ir todos os dias até o restaurante e ao menos poder apreciar o aroma da sua comida.

O juiz então ordenou ao estudante e também ao cozinheiro acusador que se aproximassem de sua mesa. Pediu então ao estudante que lhe entregasse todas as moedas que a pouco o havia mostrado. O jovem então obedeceu sem titubear a ordem do meritíssimo. Ordenou então o juiz ao cozinheiro que cerrasse os olhos. O homem mesmo sem entender, não poderia se negar a atender ao pedido e assim o fez, fechou os olhos. Tomou o juiz então em suas mãos um cálice de prata que pousava sobre sua mesa e depositou dentro dele as moedas dadas pelo estudante. Com uma das mãos tampou a abertura do cálice e com a outra o balançou, de maneira que as moedas tilintaram em seu interior. 

Então disse ao cozinheiro: “Estás ouvindo?”.

E o homem respondeu: “Sim, estou!”.

Novamente o juiz balançou o cálice de prata e com firmeza tornou a perguntar:
           
Tens certeza? Estás ouvindo?”.

E o cozinheiro repetiu com veemência: “Sim, é claro que estou!”

Por uma terceira e última vez, o juiz repetiu o ato e por fim falou ao cozinheiro: 

Agora podes abrir os teus olhos”.

 E assim fez o homem. No fim o juiz concluiu:

Podes retornar agora ao teu serviço, porque está paga a dívida que este rapaz tinha contigo. Ele furtou o aroma de tua comida e com o tilintar das moedas dele a dívida que esse jovem mantinha contigo foi paga”.

Por fim, o juiz devolveu as moedas ao estudante, e tanto o jovem quanto o cozinheiro se retiraram dali.

Além da sábia decisão daquele juiz, óbvia moral desta estória, esta parábola descreve também sutil e secretamente sobre a ética.  A ética busca reconciliar no coração humano aquilo que o divide desde a sua origem.

Os Parâmetros Curriculares no Brasil apontam para a ética como um eficiente princípio educativo quando reconhece que a educação é um processo de construção de identidades. Educar sob a inspiração da ética, mais do que transmitir valores morais é criar condições para que as identidades se formem pelo desenvolvimento da sensibilidade e pelo reconhecimento do direito a igualdade, orientando as suas condutas em valores que respondam as exigências do seu tempo.  Competências e habilidades são sem dúvida necessárias, mas virtudes e valores vão mais além e são imprescindíveis.  

O mundo atual está em mutação, a tecnologia revoluciona todos os âmbitos das nossas vidas, dissemina uma parafernália de informações, amplia as possibilidades de nossas escolhas, ao mesmo tempo em que gera em nós a incerteza, exigindo que sejamos capazes de tomar decisões acertadas e adaptar-nos a novas situações a todo o momento. Assistimos a uma transformação das culturas humanas e ao nascimento da cibercultura.

O ciberespaço é uma teia que conecta tudo a todos, onde todas as culturas se fundem lentamente em uma cultura globalizada, cibernética, revolucionária e sem censura, permitindo toda a liberdade de expressão e o surgimento da inteligência coletiva. No ciberespaço nada é de ninguém e tudo é de todo mundo. 

 Para o filósofo Pierre Lévy, maior autoridade em cibercultura do mundo atual, o essencial da educação a distância se encontra em um novo estilo de pedagogia, que favorece ao mesmo tempo as aprendizagens personalizadas e a aprendizagem coletiva. Assim, o professor é levado a tornar-se um mediador da inteligência coletiva de seus alunos ao invés de dispor o conhecimento pronto. Eis aqui diante de vocês, os pioneiros desta inusitada e inovadora pedagogia do século XXI.

 Através da ecologia cognitiva estão condicionados os valores e os critérios de avaliação do saber, em jogo pela expansão da cibercultura, com o declínio dos valores presentes da civilização fundamentada na escrita estática. A virtualização da biblioteca representa uma espécie de retorno à oralidade original. O saber volta a poder ser transmitido pelas coletividades humanas vivas através do ciberespaço, por meio do qual as comunidades descobrem e constroem seus objetos e conhecem a si mesmas como coletivos inteligentes. A universalidade repousa na interconexão em tempo real da comunidade, inclusive da científica, em vez do evento isolado que caracterizava a antiga universalidade do conhecimento.

O drama neste novo humanismo é a constante ameaça da violência e os abismos sociais e é semelhante ao da crisálida que ignorando que será uma borboleta, pode ser devorada por um pássaro antes de descobrir-se transformada. O Brasil e o mundo vivem um momento em que muitos apostam no pássaro, o educador não tem escolha, aposta na metamorfose, aposta na borboleta ou não é educador. Somente a ética pode acudir a humanidade, pois busca reconciliar no coração do homem aquilo que o divide desde a sua origem 

Fico muito grato pela atenção e desejo a todos uma boa noite.  

Antonio Júnior        

Referências Bibliográficas


LÉVY, PIERRE. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999. 272 p.

BRASIL. Ministério d Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica.  Parâmetros Curriculares: ensino médio. Brasília: Ministério da Educação. 1999. 364 p.



Ismael e Hagar sendo expulsos para o deserto


Hagar e Ismael no deserto. 


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