Aqui
nas terras dos Tabajaras, conta-se a boca pequena que na década de 1980, quando
Tisuka Yamasaki resolveu reconstituir a estória da vida de Anayde Beiriz, procurou
o então Governador do Estado Tarcísio de Miranda Burity, em busca de apoio para
o seu trabalho. O governador, no entanto, reafirmando o famoso “Nego” da
bandeira paraibana desautorizou que as filmagens das cenas particularmente da posse e do funeral do emérito paraibano fossem realizadas no Palácio da Redenção e na Praça João Pessoa, situados no centro da
cidade. Talvez por isso, ou quem sabe por vingança, a cineasta decidiu
personificar o personagem do criador de “A Bagaceira”, considerado o ponto de
partida do novo romance regional brasileiro, José Américo de Almeida, que no
governo de João Pessoa era Secretário Estadual do Interior e mão direita do presidente
João Pessoa - lembrando que na época os governadores de estado eram tratados
por presidente - na pele de um sósia de Tarcísio Burity. As cenas do
filme foram então rodadas na Praça da
República e no Palácio do Campo das Princesas em Recife, Pernambuco. Diga-se
ainda de passagem que os restos mortais do ilustre paraibano só retornaram do
Rio de Janeiro para a Paraíba sessenta e sete anos depois, em 1997, no governo de José Targino Maranhão,
quando foi erguido um mausoléu nos jardins do Palácio da Redenção para
recebê-los.
Foi em 1928, época em que Carlos Pessoa era Deputado Estadual e não pôde ser candidato
a presidente da Paraíba - o que era o desejo de Epitácio Pessoa - pois Carlos
Pessoa era pernambucano de nascimento e a constituição da Paraíba permitia que apenas os filhos natos do estado pudessem ser candidatos ao governo do estado, escolheu então Epitácio Pessoa para indicar ao Governo da Paraíba, o seu sobrinho João Pessoa, a quem
dedicava grande estima e confiança.
O
assassinato de João Pessoa foi para Epitácio um desses golpes terríveis que
oprimem as almas dos mais fortes. Em carta que enviou a Europa para o seu amigo
Otacílio Montenegro, expressava: “A morte de João Pessoa feriu-me duplamente,
como parente que nele tinha o mais dedicado amigo, e como brasileiro que não
pode dissimular a vergonha ao ver o país governado por essa mentalidade de
cangaceiro que preparou e amparou o ambiente de que saiu o crime”. Tamanha era a
audácia do coronel José Pereira do município de Princesa na Paraíba, que ousou
durante os conflitos com o governador decretar o “Território Livre de Princesa”
o que significava a independência do município em relação ao Estado da Paraíba,
sendo a partir daquele momento diretamente subordinado ao Governo Federal. O “Território Livre de Princesa” ganhou projeção nacional
e internacional com suas leis próprias, hino, bandeira, jornal próprio,
ministros e até um "exército" formado por um bando de cangaceiros. Até mesmo Lampião foi convidado pelo delegado de polícia de Piancó para lutar contra o coronel Zé Pereira, enquanto a imprensa norte americana
através da “Times” dedicou uma longa matéria a respeito do novo território. Na
verdade, João Pessoa buscava impedir que a produção agrícola
do sertão do estado fosse escoada para o porto de Santa Rita no Recife, no
intuito de favorecer a economia do estado, recolhendo os tributos para viabilizar o porto de Cabedelo, na Paraíba, acabando de vez com a secular submissão
da Paraíba ao estado vizinho de Pernambuco, a qual remonta aos tempos da capitania de Itamaracá.
Muitos
se questionam, por causa da música de Luiz Gonzaga, “Paraíba”, se a Paraíba
seria mesmo uma terra infestada de mulheres dadas ao lesbianismo, sapatões para
ser explícito, terra de mulher macho, seguidoras e defensoras abnegadas da badalada “Queer
Theory”; idealizada por sociólogos, professores, teóricos críticos de
literatura e gênero, filósofos políticos e psicanalistas e defendida com
veemência por feminazistas, vadias em marcha e PhDs de países anglófonos, a
exemplo da doutora Barbara Baird; os quais pensam as mulheres se transformando
num macho mal acabado. Explico para os menos avisados que nada disso procede.
Em verdade vos digo, o sanfoneiro certamente se inspirou na história heróica do
lugar, marcada desde a sua conquista por muitas investidas e lutas. Foram necessárias
cinco expedições portuguesas para a conquista das terras da Paraíba, bravamente
defendidas pelos índios Tabajaras e Potiguaras, até que em 1585, um acordo
feito entre o cacique Tabajara Pirajibe, o “Braço de Peixe” com os portugueses,
possibilitasse que esses tomassem posse das terras à direita da margem do rio
Sanhauá. Fato que permitiu a fundação da vila de Nossa Senhora das Neves e a
expulsão dos franceses, os quais amigos e aliados dos Potiguaras traficavam o Pau
Brasil.
Afora
essa história de guerra, mais tarde em 1929, quando imperava a “política do
café com leite” e alternadamente um presidente da república era paulista e
o seu sucessor mineiro, o então Presidente da República Washington Luis cismou
de romper com esse pacto indicando outro paulista para a sua sucessão à
presidência do Brasil, o comunista Júlio Prestes. João Pessoa então negou o apoio à candidatura
de Julio Prestes apoiando o gaúcho Getúlio Vargas. Aqui nasce o famoso "Nego" que está escrito na bandeira do estado. No ano seguinte, no dia 26 de julho de 1930, ainda
antes da realização das eleições, João Pessoa é assassinado por João Duarte Dantas
na confeitaria Glória, localizada na cidade do Recife, capital do estado de
Pernambuco, por motivos de honra e passionais.
O
pudor na Paraíba na década de 1920 era tamanho que certa vez, Monsenhor
João Batista Milanês, num surto de absoluto puritanismo, proibiu que rapazes e
moças se falassem no intervalo entre as aulas, fixando no centro da Praça do Jardim
Público entre o Liceu Paraibano, escola tradicionalmente de rapazes e a Escola
Normal freqüentada por moças, uma linha imaginária a qual denominou de “linha
da decência”. Para que se cumprisse a esdrúxula e escalafobética ordem,
designou um guarda bem armado, Antonio Carvalho de Menezes, o conhecido “guarda
33”, cabra afoito de autoridade subalterna intransigente. Em 22 de setembro
de 1923, o estudante Sadi Castor Correa Lima, aluno do Liceu, ao sair da aula
com os colegas para encontrar-se com a namorada, Ágaba Gonçalves de Medeiros,
tentou atravessar a tal linha imaginária sendo então interpelado pelo policial
de confiança do monsenhor. Teve aí origem uma ávida discussão entre eles que
culminou com a morte do rapaz, atingido por um tiro no peito, deferido pelo
guarda 33. Dias depois, em desespero, a moça enamorada do rapaz suicidou-se.
Estava salva a decência da família paraibana à custa da vida desses dois
jovens.
Seja
como for, a morte de João Pessoa aconteceu quando o país vivia um momento
político com muitas divergências e serviu como estopim para a eclosão da Revolução
de 1930, a qual conduziu Getúlio Vargas ao poder pela primeira vez. A morte de João
Pessoa marca o fim da República Velha e o começo da Nova República. Até hoje, a
bandeira da Paraíba, vermelha e preta ilustrada com a palavra “NEGO’, retrata
sua história de luta, sangue e luto e que persegue o pequeno lugar desde os tempos
coloniais. Por fim, com a revolução muitas das pessoas envolvidas no episódio político e passional estariam mortas em pouco tempo. João
Dantas ao que contam cometeu suicídio na prisão e Anayde supostamente
envenenou-se, tendo sido enterrada no cemitério de Santo amaro, no Recife, como
indigente, sem pai nem mãe, sem trabalho, sem domicílio e sem lugar de
nascimento, como consta na certidão de óbito Nº 2585.
Apesar
do exagero feminista do filme com muitas cenas da vida íntima dos dois amantes,
o que pouco diminui a grandeza e riqueza da sua criação, “Parahyba Mulher
Macho” continua sendo um filme histórico inédito, atual, moderno e que entrete
e desperta a reflexão e admiração de todos os que amam as artes
visuais. O filme traz entre outras
coisas a excelente atuação de Walmor Chagas no papel de João Pessoa, da
cantora e atriz Tânia Alves interpretando Anayde Beiriz, de Cláudio Marzo vivendo o seu amante e
companheiro confidente João Dantas, além das extraordinárias participações de Grande Otelo, Bráulio Tavares e José Dumont.
Referências bibliográficas
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______. Queer Theory. Disponível em: < http://en.wikipedia.org/wiki/Queer_theory>.
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Território de Princesa. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Territ%C3%B3rio_de_Princesa>.
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