Eu me chamo Antonio

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Parahyba Mulher Macho

Aqui nas terras dos Tabajaras, conta-se a boca pequena que na década de 1980, quando Tisuka Yamasaki resolveu reconstituir a estória da vida de Anayde Beiriz, procurou o então Governador do Estado Tarcísio de Miranda Burity, em busca de apoio para o seu trabalho. O governador, no entanto, reafirmando o famoso “Nego” da bandeira paraibana desautorizou que as filmagens das cenas particularmente da posse e do funeral do emérito paraibano fossem realizadas no Palácio da Redenção e na Praça João Pessoa, situados no centro da cidade. Talvez por isso, ou quem sabe por vingança, a cineasta decidiu personificar o personagem do criador de “A Bagaceira”, considerado o ponto de partida do novo romance regional brasileiro, José Américo de Almeida, que no governo de João Pessoa era Secretário Estadual do Interior e mão direita do presidente João Pessoa - lembrando que na época os governadores de estado eram tratados por presidente - na pele de um sósia de Tarcísio Burity. As cenas do filme foram então rodadas na Praça da República e no Palácio do Campo das Princesas em Recife, Pernambuco. Diga-se ainda de passagem que os restos mortais do ilustre paraibano só retornaram do Rio de Janeiro para a Paraíba sessenta e sete anos depois, em 1997, no governo de José Targino Maranhão, quando foi erguido um mausoléu nos jardins do Palácio da Redenção para recebê-los.

Foi em 1928, época em que Carlos Pessoa era Deputado Estadual e não pôde ser candidato a presidente da Paraíba - o que era o desejo de Epitácio Pessoa - pois Carlos Pessoa era pernambucano de nascimento e a constituição da Paraíba permitia que apenas os filhos natos do estado pudessem ser candidatos ao governo do estado, escolheu então Epitácio Pessoa para indicar ao Governo da Paraíba, o seu sobrinho João Pessoa, a quem dedicava grande estima e confiança.

O assassinato de João Pessoa foi para Epitácio um desses golpes terríveis que oprimem as almas dos mais fortes. Em carta que enviou a Europa para o seu amigo Otacílio Montenegro, expressava: “A morte de João Pessoa feriu-me duplamente, como parente que nele tinha o mais dedicado amigo, e como brasileiro que não pode dissimular a vergonha ao ver o país governado por essa mentalidade de cangaceiro que preparou e amparou o ambiente de que saiu o crime”. Tamanha era a audácia do coronel José Pereira do município de Princesa na Paraíba, que ousou durante os conflitos com o governador decretar o “Território Livre de Princesa” o que significava a independência do município em relação ao Estado da Paraíba, sendo a partir daquele momento diretamente subordinado ao Governo Federal. O “Território Livre de Princesa” ganhou projeção nacional e internacional com suas leis próprias, hino, bandeira, jornal próprio, ministros e até um "exército" formado por um bando de cangaceiros.  Até mesmo Lampião foi convidado pelo delegado de polícia de Piancó para lutar contra o coronel Zé Pereira, enquanto a imprensa norte americana através da “Times” dedicou uma longa matéria a respeito do novo território. Na verdade, João Pessoa buscava impedir que a produção agrícola do sertão do estado fosse escoada para o porto de Santa Rita no Recife, no intuito de favorecer a economia do estado, recolhendo os tributos para viabilizar o porto de Cabedelo, na Paraíba, acabando de vez com a secular submissão da Paraíba ao estado vizinho de Pernambuco, a qual remonta  aos tempos da capitania de Itamaracá.   

Muitos se questionam, por causa da música de Luiz Gonzaga, “Paraíba”, se a Paraíba seria mesmo uma terra infestada de mulheres dadas ao lesbianismo, sapatões para ser explícito, terra de mulher macho, seguidoras e defensoras abnegadas da badalada “Queer Theory”; idealizada por sociólogos, professores, teóricos críticos de literatura e gênero, filósofos políticos e psicanalistas e defendida com veemência por feminazistas, vadias em marcha e PhDs de países anglófonos, a exemplo da doutora Barbara Baird; os quais pensam as mulheres se transformando num macho mal acabado. Explico para os menos avisados que nada disso procede. Em verdade vos digo, o sanfoneiro certamente se inspirou na história heróica do lugar, marcada desde a sua conquista por muitas investidas e lutas. Foram necessárias cinco expedições portuguesas para a conquista das terras da Paraíba, bravamente defendidas pelos índios Tabajaras e Potiguaras, até que em 1585, um acordo feito entre o cacique Tabajara Pirajibe, o “Braço de Peixe” com os portugueses, possibilitasse que esses tomassem posse das terras à direita da margem do rio Sanhauá. Fato que permitiu a fundação da vila de Nossa Senhora das Neves e a expulsão dos franceses, os quais amigos e aliados dos Potiguaras traficavam o Pau Brasil.

Afora essa história de guerra, mais tarde em 1929, quando imperava a “política do café com leite” e alternadamente um presidente da república era paulista e o seu sucessor mineiro, o então Presidente da República Washington Luis cismou de romper com esse pacto indicando outro paulista para a sua sucessão à presidência do Brasil, o comunista Júlio Prestes.  João Pessoa então negou o apoio à candidatura de Julio Prestes apoiando o gaúcho Getúlio Vargas.  Aqui nasce o famoso "Nego" que está escrito na bandeira do  estado. No ano seguinte, no dia 26 de julho de 1930, ainda antes da realização das eleições, João Pessoa é assassinado por João Duarte Dantas na confeitaria Glória, localizada na cidade do Recife, capital do estado de Pernambuco, por motivos de honra e passionais.  

O pudor na Paraíba na década de 1920 era tamanho que certa vez, Monsenhor João Batista Milanês, num surto de absoluto puritanismo, proibiu que rapazes e moças se falassem no intervalo entre as aulas, fixando no centro da Praça do Jardim Público entre o Liceu Paraibano, escola tradicionalmente de rapazes e a Escola Normal freqüentada por moças, uma linha imaginária a qual denominou de “linha da decência”. Para que se cumprisse a esdrúxula e escalafobética ordem, designou um guarda bem armado, Antonio Carvalho de Menezes, o conhecido “guarda 33”, cabra afoito de autoridade subalterna intransigente. Em 22 de setembro de 1923, o estudante Sadi Castor Correa Lima, aluno do Liceu, ao sair da aula com os colegas para encontrar-se com a namorada, Ágaba Gonçalves de Medeiros, tentou atravessar a tal linha imaginária sendo então interpelado pelo policial de confiança do monsenhor. Teve aí origem uma ávida discussão entre eles que culminou com a morte do rapaz, atingido por um tiro no peito, deferido pelo guarda 33. Dias depois, em desespero, a moça enamorada do rapaz suicidou-se. Estava salva a decência da família paraibana à custa da vida desses dois jovens.

Seja como for, a morte de João Pessoa aconteceu quando o país vivia um momento político com muitas divergências e serviu como estopim para a eclosão da Revolução de 1930, a qual conduziu Getúlio Vargas ao poder pela primeira vez. A morte de João Pessoa marca o fim da República Velha e o começo da Nova República. Até hoje, a bandeira da Paraíba, vermelha e preta ilustrada com a palavra “NEGO’, retrata sua história de luta, sangue e luto e que persegue o pequeno lugar desde os tempos coloniais. Por fim, com a revolução muitas das pessoas envolvidas no episódio político e passional estariam mortas em pouco tempo. João Dantas ao que contam cometeu suicídio na prisão e Anayde supostamente envenenou-se, tendo sido enterrada no cemitério de Santo amaro, no Recife, como indigente, sem pai nem mãe, sem trabalho, sem domicílio e sem lugar de nascimento, como consta na certidão de óbito Nº 2585.

Apesar do exagero feminista do filme com muitas cenas da vida íntima dos dois amantes, o que pouco diminui a grandeza e riqueza da sua criação, “Parahyba Mulher Macho” continua sendo um filme histórico inédito, atual, moderno e que entrete e desperta a reflexão e admiração de todos os que amam as artes visuais.  O filme traz entre outras coisas a excelente atuação de Walmor Chagas no papel de João Pessoa, da cantora e atriz Tânia Alves interpretando Anayde Beiriz,  de Cláudio Marzo vivendo o seu amante e companheiro confidente João Dantas, além das extraordinárias participações de Grande Otelo, Bráulio  Tavares e José Dumont.



Referências bibliográficas

ALBUQUERQUE, Epitácio Pessoa Cavalcanti de. João Pessoa – O sentido de uma vida e de uma época. João Pessoa: Acauã. 1979. 210 p.

FGV – CPDOC. José Américo de Almeida. Disponível em: < http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/aeravargas1/biografias/jose_americo_almeida>.

FILHO, Carlos Pessoa. Epitácio da Silva Pessoa. João Pessoa: A UNIÃO. 1998. 41 p.
JOFFILY, José. Anayde – Paixão e Morte na Revolução de 30. Rio de Janeiro: Record. 1983. 129 p.

SÁ, Chico. Após 67 anos João Pessoa volta à Paraíba. Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc030818.htm>.

WIKIPÉDIA. Getúlio Vargas. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Get%C3%BAlio_Vargas>.

______. História da Paraíba. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_da_Para%C3%ADba>.

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______. Pirajibe. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Pirajibe>.

______. Praça João Pessoa. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Pra%C3%A7a_Jo%C3%A3o_Pessoa>.

______. Praça da República. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Pra%C3%A7a_da_Rep%C3%BAblica_(Recife)>.

______. Queer Theory. Disponível em: < http://en.wikipedia.org/wiki/Queer_theory>.

______. Tarcísio Burity. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Tarc%C3%ADsio_Burity>.

______. Território de Princesa. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Territ%C3%B3rio_de_Princesa>.






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